«Se não podes ajudar, ao menos não prejudiques.»
Tenzin Gyatso, XIV Dalai Lama do Tibete
Completam-se hoje três anos desde que iniciámos a recolha de assinaturas para a ILC pela revogação da entrada em vigor do “acordo ortográfico”. Não foi mera coincidência, escusado será dizer, o facto de termos iniciado a campanha exactamente uma semana depois de Malaca Casteleiro ter “garantido”, urbi et orbi, que “em dois anos todos os países da CPLP já terão aplicado o novo Acordo Ortográfico”.
Pois enganou-se Malaca redondamente, como se vê: não apenas ainda cá estamos, na luta, como a luta está agora, exactos três anos depois da malaquenha adivinhação, mais viva do que nunca. E, é claro, por consequência, afinal o “novo Acordo Ortográfico” não foi aplicado por “todos os países da CPLP” coisíssima nenhuma: o Brasil adiou-o para as calendas, Angola não quer saber daquilo para nada, Moçambique nem agendou a discussão sobre o assunto, se ali vier a haver sequer alguma discussão ou se vier a haver assunto, e nos restantes países de Língua Oficial Portuguesa (S. Tomé e Príncipe, Cabo Verde, Guiné-Bissau e Timor-Leste) a questão não se coloca, arrasta-se simples e pachorrentamente por alguns ministeriais gabinetes, visto que todos esses países têm assuntos sérios e urgentes para resolver.
De facto, admitamo-lo sem rebuço, durante quase dois longos anos o castelense bruxedo parecia (pareceu) inevitável, imparável, como se fosse uma maldição pairando sobre as cabeças de todos os nativos de Língua Portuguesa. Era a táctica (ou a política) do “facto consumado” e realmente durante a maior parte daqueles terríveis tempos a intoxicação acordista parecia estar a resultar: muita gente desistiu, pura e simplesmente, de lutar por uma Causa que todos julgavam tão justa quanto irremediavelmente perdida… tais e tão fortes eram os adversários, tão esmagadora parecia ser a sua força.
“Não há nada a fazer”, dizia-se então, “o AO90 está em vigor, é lei, portanto há que acatar”.
Ah, nada disso, dissemos nós, não é uma lei, é um erro, e os erros eliminam-se, não se acatam — atacam-se. E portanto continuámos a lutar, seguimos em frente, apenas alguns, poucos, e sem meios nenhuns, mas absolutamente determinados, impassíveis face às adversidades, armados apenas com a tremenda força que resulta da mistura de convicção e razão em doses iguais.
Alguns números, apenas como ilustração e a título indicativo, demonstram isto mesmo, que a luta já vai longa, que tem sido dura.
O nosso “site” principal (749 “posts”, 28 páginas, 4 600 comentários) já ultrapassou as 580 mil visitas (287 mil visitantes únicos, quase 40 milhões de “hits”), contando com 357 “blogs” que fazem campanha pela ILC usando tipicamente o logótipo e o “link” da campanha (ver na coluna à direita). A nossa página da Causa no Facebook regista 120 825 membros e 2 437 “acções”, havendo também naquela “rede social” uma página específica para divulgação da iniciativa com 7 485 “likes” (a anterior chegou a ter mais de 66 000 aderentes mas foi “descontinuada” pelo Facebook). Continua também activo, se bem que tenha sido já por diversas vezes atacado por “hackers”, um outro “site”, criado por um voluntário anónimo, exclusivamente dedicado à ILC e que já conta com mais de 21 000 “partilhas”.
Distribuímos nós mesmos, individual e pessoalmente, muito mais do que 20 000 impressos de subscrição (é impossível contabilizar isto ao certo) e conseguimos estabelecer uma rede nacional com 32 estabelecimentos que se disponibilizaram para recolher e enviar-nos as assinaturas recolhidas localmente. Publicámos até agora 10 listas de “voluntariado” com as remessas individuais superiores a 8 assinaturas e divulgámos também, em 12 ocasiões, imagens de selos recebidos em envelopes com subscrições de portugueses espalhados pelo mundo.
Temos uma página, que já ultrapassou as 100 entradas (cada uma com seu “post” individual), a que chamámos “galeria“, com nomes de alguns dos nossos activistas, subscritores e apoiantes, incluindo nestes últimos alguns estrangeiros, e ali constam também, além de militantes mais ou menos “anónimos”, pessoas tão conhecidas do chamado “grande público” como o poeta Pedro Tamen, o fadista João Braga, o escritor Vasco Graça Moura, a escritora Rita Ferro, a actriz Lídia Franco, a professora Maria do Carmo Vieira, o deputado Mendes Bota, o advogado Garcia Pereira, o mágico Luís de Matos, o comediante Ricardo Araújo Pereira, o filósofo Desidério Murcho, a ensaísta Alzira Seixo e o médico Gentil Martins. E isto, repita-se, apenas para citar alguns dos nomes mais “mediáticos” que aceitaram expressamente fosse divulgada (porque é confidencial) a sua subscrição da iniciativa.
Em suma, mesmo não sendo nada disto nem exaustivo nem absoluto, porque tal “contabilidade” seria impossível, podemos por conseguinte concluir que já muito se fez, realmente, mas que muito há ainda para fazer. Estes são apenas alguns números de contas em aberto e de somas impossíveis de apurar porque nesta luta que é de todos participam muitos que nem se sabe ao certo quem são e alguns outros que nem querem que se saiba quem são ou o que fazem, fizeram e com certeza farão ainda.
Aliás, muito mais importante do que referir os números, já se si impressionantes, deixemo-nos de falsas modéstias, dado todo o trabalho ser realizado por voluntários, será enumerar algumas das consequências, dos efeitos práticos desse mesmo trabalho, ou seja, os factos comprovados e comprováveis que resultaram desta já longa, duríssima, por vezes extenuante mas sempre grata (ou muito raramente ingrata) luta.
Realce-se de imediato o nosso sucesso mais recente, isto é, a constituição do Grupo de Trabalho parlamentar sobre o AO90, por cujos resultados teremos ainda de aguardar durante mais algum tempo e, portanto, não valerá a pena adiantar precocemente qualquer conjectura quanto a isso, mas que já produziu dois efeitos extraordinários: por um lado, a sociedade civil está finalmente a ser ouvida, coisa que nunca antes tinha acontecido, e por outro lado a questão deixou de estar na área reservada à política e aos políticos, sendo assim e por fim devolvida à opinião pública, ou seja, está no domínio do Povo e já não apenas no silêncio dos gabinetes ou em quaisquer “passos perdidos” por onde se arrastou ao longo de décadas.
Esta iniciativa parlamentar surgiu em consequência também, evidentemente, da extraordinária pressão política que resultou da assumpção expressa, por parte de diversos organismos e entidades, da sua recusa em acatar um “acordo” administrativamente imposto. Casos mais mediáticos destas tomadas de posição foram, por exemplo e entre outros, o da SPA (Sociedade Portuguesa de Autores), o do Pen Clube Português, o da FLUL (Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa) e, já em Fevereiro de 2012, o do CCB (Centro Cultural de Belém), ou ainda, mais recentemente, as recusas publicamente expressas pelas Câmaras Municipais da Covilhã e de Viana do Castelo. E tudo isto, note-se, numa sequência avassaladora de declarações públicas contra o AO90 por parte de não apenas organismos e entidades, algumas destas pertencendo até à Administração local, ou seja, na dependência directa do Estado, mas também por iniciativa de diversos órgãos de comunicação social e de várias empresas (incluindo algumas participadas pelo Governo central) das áreas das Artes, Ciência e Cultura.
A todas estas movimentações não terá sido estranha, portanto, e muito menos a elas indiferente, a decisão que a Presidente do Brasil, Dilma Roussef, tomou no último dia de 2012: nada mais, nada menos, como sabemos, do que adiar por três anos a entrada em vigor do “acordo” naquele país, liquidando assim, por simples despacho presidencial, a putativa irreversibilidade do dito “acordo” a partir do 1.º de Janeiro deste ano de 2013. Afinal, como se viu, o que se dizia ser absolutamente irreversível tornou-se facilmente reversível, o que parecia ser definitivo foi adiado de véspera. Mais uma vez, em resumo, a montanha pariu um rato.
Ou seja, como se comprova, Casteleiro enganou-se mesmo… e em toda a linha.
Longe vão os tempos do “não há nada a fazer”, do “facto consumado”, do “já está, já está, pronto”. Se, por exemplo, ainda há menos de dois anos era muito difícil conseguir-se compor minimamente uma sala com 30 cadeiras, hoje enche-se um auditório com 200 lugares sentados – e ficando muita gente de pé – em qualquer evento, conferência ou palestra de opositores, de militantes, de cidadãos, em suma, que se manifestam cada vez mais, mais aberta e decididamente, contra o “acordo ortográfico” de 1990.
Como agora se vê, não está nada, pronto, não é de todo um facto e muito menos consumado é, nem nunca foi, havia algo a fazer, sim, e fez-se mesmo e o que se fez foi muito, muitíssimo!
Os resultados estão aí para quem os quiser ver.
Falta agora apenas… continuar a lutar. Com ainda mais perseverança e denodo, se tal é possível. Nunca antes esta luta esteve tão perto do fim. E esse fim só pode ser um: a vitória da razão sobre a insanidade.
Assim consigamos nós outros, todos os que se opõem ao “acordo ortográfico” que não é nem acordo nem ortográfico, manter do nosso lado toda a razão e expulsar a insanidade toda para o outro lado, ou seja, para o lugar de onde nunca deveria ter saído: o esquecimento.
João Pedro Graça