A Iniciativa Legislativa de Cidadãos contra o Acordo Ortográfico tem como primeiro, e principal, mérito, o de constituir, de corporizar, a acção mais coerente e mais consistente de defesa da ortografia e da língua portuguesas. Porém, tem outros méritos quase tão importantes; como o de demonstrar a hipocrisia do sistema político nacional relativamente à (maior) participação dos cidadãos na «coisa pública».
Aqueles que perguntam incessantemente se a ILCAO já atingiu as 35 mil assinaturas deveriam, antes, e precisamente, questionar porque são necessárias 35 mil assinaturas para formalizar e validar esta – e qualquer outra – iniciativa legislativa de cidadãos. Em comparação com processos similares em outros países com populações maiores, 35 mil é um número excessivo e injustificado. No Brasil (cerca de 200 milhões de habitantes) foram suficientes 20 mil assinaturas numa normal petição para Dilma Rousseff adiar a aplicação do AO90 em três anos. Nos Estados Unidos da América (cerca de 300 milhões) a Casa Branca tem de responder obrigatoriamente a petições electrónicas que registem um mínimo de 100 mil assinaturas – antes eram 25 mil, e, antes, cinco mil! A conclusão inevitável é que, em Portugal, a tão propalada «democracia (quase) directa», e os instrumentos que a possibilita(ria)m, são administrados… de uma forma demasiado parcimoniosa, prepotente, tendenciosa, oportunista. Veja-se o referendo: de certeza que já poderia ter sido utilizado para mais do que deliberar sobre a (despenalização da) interrupção voluntária da gravidez e sobre a regionalização; a realização de uma consulta à população sobre a implementação de uma «nova ortografia» poderia e deveria ser uma opção óbvia… e o resultado final não deixaria de ser previsível: a rejeição. E é por isso mesmo que esse referendo não foi feito.
Outro mérito – e característica – fundamental da Iniciativa Legislativa de Cidadãos contra o Acordo Ortográfico: é uma verdadeira iniciativa de cidadãos; não resulta de uma decisão, e não dispõe dos recursos, de entidades partidárias, patronais, sindicais, ou outras, mais habituadas e habilitadas a desenvolverem acções deste tipo. A ILCAO é um movimento inédito, pioneiro, em Portugal, que representa a genuína sociedade civil… e talvez seja por isso que nunca foi convidada a estar representada em qualquer emissão do programa «Sociedade Civil» da RTP2, onde já participaram vários apoiantes do AO90.
No entanto, e para desilusão dos adeptos da «novilíngua», nós existimos. E somos muitos. Neste tema falamos, que ninguém duvide, pela maioria em Portugal. Neste sítio e nesta ILC, somos uma amostra representativa, e mais activa, dessa maioria. E quem quiser… pode começar a contar-nos. Todos os nomes que estão aqui, todos os homens e mulheres que escreveram, escrevem e escreverão artigos, interpelações, mensagens, cartas e comentários, que colocam o sítio da ILCAO nos seus blogs e nas suas páginas de Facebook formam o primeiro contingente de defesa da identidade e da dignidade cultural de Portugal. Depois, pensem que para cada um deles há familiares, amigos, colegas, conhecidos, ou até desconhecidos, a quem já deram a folha para assinar, ou que indicaram como ela podia ser obtida e preenchida. E cada um desses familiares, amigos, colegas e conhecidos tem por sua vez outros familiares, amigos, colegas e conhecidos…
Enfim, a Iniciativa Legislativa de Cidadãos contra o Acordo Ortográfico tem o mérito da coragem. Da vontade. Mais importante do que saber «quantos» somos… é saber «quem» somos! E sabemos. Somos aqueles que, cansados de diversos e de diferentes abusos perpetrados ao longo dos anos, e em relação aos quais talvez se tenham arrependido de não terem protestado (mais), resolveram, desta vez, traçar uma linha – que separa os inconformados dos conformados – e afirmar, definitivamente, «daqui não passa». Marcar uma posição. Se há qualidade – de carácter, de conhecimento, de convicção – haverá, mais tarde ou mais cedo, quantidade.
Octávio dos Santos