David Soares é um escritor português conhecido pelos seus romances meticulosamente pesquisados e complexos que versam sobre temas históricos e ocultismo. A revista literária portuguesa Os Meus Livros definiu-o como sendo «o mais importante escritor português de literatura fantástica». Escreveu quatro romances, quatro livros de contos, sete livros de banda desenhada (um deles publicado em França), um livro para crianças e dois livros de ensaios. Recebeu três troféus para “Melhor Argumentista Nacional” pelos seus livros de banda desenhada.
————————————————— Sobre o AO90, a imposição que nos vem de cima para baixo para o seu enxerto violento não tem mais nenhuma sustentabilidade que a pura cegueira ideológica; já para não referir outros interesses, de ordens muitíssimo variadas. Dê por onde der, o resultado será, no mínimo, a confusão e, em máxima espessura, o desastre, pois o AO90, de sincrética composição, crescerá tão torto quanto consiga, caso medre o dito enxerto. Em suma: será – está a ser – um obstáculo para as mais simples comunicações do dia-a-dia, uma ameaça para o ensino do português e uma calamidade para o edifício literário. Especificando o meu ponto de vista de acordo com a minha profissão, asseguro que o AO90 não consiste em nenhuma mais-valia, nem oferece quaisquer vantagens.
De quando em quando, aparecem na comunicação social uns disparates sobre a historieta de que a língua está sempre a mudar e que a grafia segue a oralidade, como se as línguas fossem inventadas nas ruas. Isso é, pura e simplesmente, uma aldrabice: grafia e oralidade são coisas totalmente distintas e uma não tem de seguir a outra. A oralidade faz-se de atalhos e convenções que visam, somente, amoldar o coloquialismo à vida prática de todos os dias. É por isso que para se escrever bem não se deve escrever como se fala: no meu tempo, e não sou assim tão velho, ensinaram-me isso no ensino básico, mas, enfim, a gente bem sabe como vai por aí o ensino do português e o modo desolador como se escreve.
A língua, na verdade, muda – isso é evidente -, mas não evolui. Evoluir pressupõe sempre a existência de um desígnio para o qual se caminha e se vai abandonando versões toscas do objecto a aperfeiçoar até apurar-se a forma final. Ora, não há desígnio nenhum por trás das mudanças das línguas, logo não evoluem – e, nesse sentido, o AO90 não é o corolário dessa busca pela perfeição que os seus bonzos nos querem fazer acreditar. A língua muda, mas não muda tanto na rua, por influência da tal oralidade, como muda por acção da grafia, graças às palavras inventadas pelos escritores: o nosso léxico contemporâneo foi todo inventado por escritores, filósofos e cientistas, desde a Idade Média para cá. Quem muda a língua de modo natural e harmonioso não é quem a fala – nem quem acha como ela deve ser escrita -, mas quem, com efeito, trabalha com ela. De todas as mudanças impressas pospelamente sobre uma sociedade derivam consequências que só não são imprevisíveis na sua tragicidade. Ignore-se, pois, a história, mas que não se finja surpresa quando essas consequências erguerem a cabeça. Contudo, mantenho o meu optimismo: é por mantê-lo que subscrevi a ILCAO e a divulguei por todos os meus contactos para que também o fizessem. Fi-lo enquanto escritor e enquanto cidadão. Sobretudo, fi-lo enquanto amante da língua portuguesa, cujo espírito já está moribundo por culpa da convivência com este desacordo espiritocida.
David Soares subscreveu a Iniciativa Legislativa de Cidadãos pela revogação da entrada em vigor do Acordo Ortográfico de 1990.
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[Nota: esta publicação foi autorizada pelo subscritor, que nos remeteu, expressamente para o efeito e a nosso pedido, a fotografia, a nota biográfica e o texto deste “post”. “Links” inseridos por nós.]