Anda muita gente por aí preocupada com os contratos swap e seus malefícios, coisa que se compreende, mas não se vê assim tanta gente interessada em saber dos contratos Smuop. E estes trouxeram, e trazem ainda, malefícios e dos grandes. O que são? São uma invenção bem nossa e podemos traduzi-los por Sugestões Mirabolantes para Unificar a Ortografia Portuguesa. Começaram com um acordo, gongoricamente anunciado, que iria (ó supremo benefício!) permitir edições únicas de livros que iriam circular alegremente por Portugal, Brasil e Áfricas. Pois bem: a Leya, que seria uma das beneficiadas com tal novidade, veio há dias queixar-se da falência desse pressuposto. Thais Marques, directora de marketing da editora, citada numa entrevista que supostamente foi dada à agência Lusa e que em Portugal foi estranhamente publicada com tiques abrasileirados (“desde sua entrada no mercado”, por exemplo, repetido duas vezes, quando em Portugal se escreveria e escreve ainda “desde a sua entrada no mercado”), é clara quanto a isto.
Cite-se a entrevista: “A facilidade do idioma comum, segundo a diretora [‘sic’], não pode ser apontada como um facilitador, já que muitas obras seguem passando [‘sic’] por um processo de “abrasileiramento” ou, ao contrário, quando se trata de obras brasileiras levadas a Portugal.” Não pode ser apontada como um facilitador? Mas o acordo não garantia que podia, senhores? Não garantia e assegurava, sem a mínima dúvida? Que se passou? Foi alguma coisa do tempo? Das nuvens? Dos temperos na cozinha? Houve aqui alguém que nos enganou…
Enquanto se espera que investiguem porque é que em Portugal e no Brasil se continua e continuará a escrever de maneiras diferentes (em Portugal a escrever mal, e cada vez pior, graças à misérrima sopa de letras inventada pelo iluminados da unificação) e, em consequência, a mandar abrir inquérito aos prejuízos dos contratos ‘Smuop’ (façam as contas, façam, e irão tremer com as conclusões), observemos algo do que nos rodeia nessa matéria.
Por exemplo: vai-se à extraordinária exposição ‘A Encomenda Prodigiosa‘ e lá está, nos folhetos da dita, a “Capela Real de São João ‘Batista'”, em vez de Baptista. Isto nos folhetos azuis, os “oficiais”, porque nos folhetos do Museu de São Roque está, obviamente, São João Baptista. O acordo ortográfico, já se sabia (embora não esteja em vigor aqui, como nunca é demais repetir), obriga a mudar baptismo para “batismo” ou baptizado para “batizado”, seguindo, aqui, a norma vigente no Brasil. Mas Baptista é um nome, não devia ser mudado.
Não devia mas foi. Portugal, aliás, adora mudar nomes sem justificação. O caso mais gritante é o de Eça de Queiroz, passado a “Queirós” não se sabe por mor de quem. Ora Eça é Queiroz no registo de nascimento, nos documentos de época, na Fundação com o seu nome, nos dicionários a ele dedicados, na fotobiografia, na assinatura da célebre estátua (“Sobre a nudez forte da verdade, o manto diaphano da phantasia”), mas passou a “Queirós” em vários estudos e reedições da sua obra. Inexplicável. O pintor Amadeo de Souza-Cardoso também começa a aparecer por aí como “Amadeo de Sousa Cardoso” (esqueceram-se de “actualizar” o primeiro nome para “Amadeu”). Mário de Sá-Carneiro também perde, de vez em quando, o hífen (há um ódio inexplicável aos hífenes em Portugal, e já não é de agora) e Herberto Helder “ganha” o acento que não tem.
Isto em Portugal, claro. Porque no Brasil, apesar de alguns imbecis já terem começado a tratar por “Raquel” a celebrada escritora Rachel de Queiroz (com Z, claro), há um respeito maior pelo nome de baptismo (com P, se faz favor). Drummond não perdeu o duplo M, Clarice Lispector não passou a “Lispetor” e Lygia Fagundes Telles não ficou “Lígia Teles”. Tal como Vinicius de Moraes não passou a “Vinício de Morais”. Por cá, ainda veremos Ruy Belo perder o Y e Sophia de Mello Breyner passar a… “Sofia de Melo”. Por este caminho…
Eh! Mas sabem quais os nomes que nunca, mas nunca, são trocados? Os dos futebolistas. Percebe-se muito bem: o futebol é um assunto de elite, reservado a um pequeno grupo de entendedores, por isso é natural que aqui não haja falhas. Carlos Queiroz, o treinador, não perdeu nem perderá o Z; e Falcao, jogador, jamais terá em cima da segunda vogal o ameaçador til, passando a Falcão. Já os pobres Eça ou São João Baptista lá se vão sujeitando às modas gráficas. Haverá remédio para isto?
[Transcrição integral de texto, da autoria de Nuno Pacheco, publicado na “Revista 2”, suplemento do jornal “PÚBLICO” de 15.09.13. Imagem de Andrea Downey em typographic. Destaques e “links” adicionados por nós.]