Ilustríssimo presidente da Comissão de Educação, Cultura e Esporte do Senado Federal do Brasil,
Excelentíssimo Senador Cyro Miranda,
Escrevo-lhe a título pessoal no seguimento de notícias[1] que dão conta da – a meu ver, feliz – criação, por sua iniciativa, dum grupo de trabalho na comissão parlamentar a que vossa excelência preside para estudar e apresentar propostas de alteração ao Acordo Ortográfico de 1990 (AO90). Repito, considero tal criação muito feliz e oportuna e queria dar-lhe nota que também em Portugal nos debatemos na Assembleia da República com questões relacionadas com o AO90.
De facto, entre petições e anunciadas iniciativas legislativas de cidadãos(ver nota 1 de ILC), têm sido várias as ocasiões em que o parlamento português tem sido chamado a debater esta questão. Não lhe quero falar em nome de outros deputados que não eu, mas deixo-lhe em anexo dois documentos: um relatório[2] dum grupo de trabalho que foi criado para acompanhar a execução do AO90 em Portugal e outro relatório[3], da minha autoria, sobre uma petição que recentemente foi apresentada a pedir que Portugal se desvinculasse do AO90.
Se tiver a oportunidade de ler estes documentos verá que, como parece acontecer no Brasil, em Portugal estamos longe dum consenso social alargado. Mesmo no mundo académico – de onde vieram as maiores forças impulsionadoras do Acordo – aparecem-nos mais vozes contra o Acordo ou a forma da sua aplicação do que a seu favor. Fui, pessoalmente, até mais longe: tenho dúvidas das próprias bases do Acordo, e permita-me citar-me no dito relatório:
(…)é possível haver uma ortografia unificada entre os vários portugueses? Faz esse desiderato sentido quando léxico, gramática e semântica são objectivamente diferentes nos vários países do Acordo? Faz ainda sentido considerar como critério para a ortografia o critério da «pronúncia culta» da língua?
De facto ainda recentemente um livro infantil português foi editado no Brasil com uma edição adaptada ao português do Brasil – como estou certo continuará a acontecer particularmente em traduções de línguas estrangeiras para o Português, mas como nunca tinha visto num livro editado originalmente em Português. «DANÇA QUANDO CHEGARES AO FIM” é assim vendido desse lado do Atlântico como «DANCE QUANDO CHEGAR AO FIM».
Compreende-se perfeitamente e não há acordo que unifique isto.
Juntaria a isto ainda recentes declarações do mundo da literatura, do PEN Clube português, dos escritores moçambicanos na diáspora ou ainda da nossa Sociedade Portuguesa de Autores repudiando o AO90, mas gostaria de voltar ao terreno parlamentar.
Desconheço o enquadramento constitucional brasileiro, mas em Portugal o Parlamento não tem competência em matéria de relações externas. Assim, e como estamos a falar dum tratado internacional(ver nota 2 de ILC), a intervenção parlamentar portuguesa tem necessariamente sido tímida. Mas a partir do momento em que no Brasil se abre este debate, Portugal não pode fazer de conta e ficar de fora. Estou em crer que poderíamos abrir canais – nem que informais – bilaterais para que deste lado possamos acompanhar os Vossos trabalhos e contribuir naquilo que nos junta: a língua portuguesa e a óbvia e reconhecida necessidade de reescrever ou revogar o Acordo Ortográfico. Enviarei, para o mesmo efeito, carta idêntica à sua colega Ana Amélia Lemos.
Queira, caro colega, aceitar os meus melhores cumprimentos e o meu desejo de possamos iniciar uma troca de correspondência e experiência profícuas para a língua portuguesa.
Um abraço amigo,
Deputado
Grupo Parlamentar do CDS-PP
Coordenador do Grupo Parlamentar na 8ª Comissão – Educação, Ciência e Cultura
[1] http://www12.senado.gov.br/noticias/materias/2013/10/01/ce-cria-grupo-de-trabalho-para-aperfeicoar-acordo-ortografico
[2] http://www.parlamento.pt/sites/COM/XIILEG/8CECC/GTAAAO/Apresentacao/Paginas/PlanosActividade.aspx
[3] http://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalhePeticao.aspx?BID=12378
[Transcrição integral de carta, da autoria de Michael Seufert, publicada no “blog” pessoal do deputado (com o título “À vontade do freguês”) em 01.11.13. Alguns “links” e destaques a “bold” foram adicionados por nós ao texto. Foto do “mural” do deputado no Facebook.]
Nota 1: não existe nem existiu antes qualquer outra ILC, no âmbito do AO90, além da que aqui mesmo, neste “site”, se apresenta e anuncia.
Nota 2: por isto mesmo optámos por uma ILC pela revogação não do AO90 (Tratado internacional) mas da sua entrada em vigor (RAR 35/2008), a ÚNICA forma credível e exequível de reverter o processo pela via parlamentar.