No Tribunal de Torres Vedras um cágado não é algo malcheiroso embora haja quem conteste isso
ANA HENRIQUES 05/11/2013 – 00:00
Ministério da Justiça assaca três crimes ao juiz Rui Teixeira por causa das regras de português. Órgão disciplinar decide hojeO Conselho Superior de Magistratura tem na agenda de trabalhos de hoje a recusa do juiz Rui Teixeira, que dirigiu a instrução do processo Casa Pia, em lidar com documentos escritos ao abrigo do acordo ortográfico.
Colocado no tribunal de Torres Vedras, o magistrado obrigou em Abril os serviços do Ministério da Justiça a reescreverem o relatório social de um detido, de forma a expurgá-lo das alterações introduzidas pelo acordo, sob pena de multa. Defendendo que os tribunais não estão obrigados a cumprir a resolução do Conselho de Ministros que determina a adopção das novas regras em todos os serviços da administração pública, Rui Teixeira escreveu na altura: “Nos tribunais, pelo menos neste, os factos não são fatos, as actas não são uma forma do verbo atar, os cágados continuam a ser animais e não algo malcheiroso e a Língua Portuguesa permanece inalterada até ordem em contrário”.
Quem não achou piada ao discurso antiacordo ortográfico foi o director-geral de Reinserção e Serviços Prisionais, Rui Sá Gomes, que participou ao órgão disciplinar dos juízes três crimes alegadamente cometidos pelo magistrado: denegação de justiça, abuso de poder e coacção de funcionário. Em suma: o juiz recusou-se a apreciar o relatório social enquanto os “erros ortográficos”, como lhes chamou, não fossem emendados e ameaçou aplicar uma coima. Sá Gomes alega ainda que os seus funcionários foram coagidos a desobedecer à lei que os obriga a usar o português na sua nova forma.
Contactado pelo PÚBLICO, Rui Teixeira escusou-se a falar sobre o assunto, que remeteu para o Conselho Superior de Magistratura, cujo entendimento tem sido no sentido de os tribunais não estarem, por enquanto, vinculados à aplicação do acordo.
O problema pode ser, neste caso, a recusa em apreciar um documento só por estar escrito da nova forma. A ser aplicada uma pena de advertência ao juiz, resta saber se será no velho ou no novo português – e se Rui Teixeira acederá a tomar dela conhecimento, caso lhe apareça escrita ao abrigo do acordo, uma vez que os conselheiros gozam de liberdade nessa matéria.
[Transcrição integral de notícia do jornal “Público” de 05.11.13, da autoria da jornalista Ana Henriques. “Links” e destaques a “bold” adicionados por nós. Foto de “Correio da Manhã“.]
Nota: também o Sr. Dr. Juiz Rui Estrela de Oliveira, de Viana do Castelo, tomou uma posição pública semelhante à do Sr. Dr. Juiz Rui Teixeira quanto a esta mesma matéria.