Iniciamos a apreciação dos novos programas de Português do ensino secundário, lamentando que os seus autores, ligados ao ensino da Língua e da Literatura Portuguesa, não se sintam incomodados com o facto de se impor a professores e alunos o AO cuja Nota Explicativa (NE) deveria ser motivo de vergonha para qualquer um. Surpreendeu-nos também que demonstrando o seu apreço pela Literatura e pela análise literária, se tenham esquecido de que estudar a poesia de Ricardo Reis com os seus versos profanados pelo AO é uma aberração. As facultatividades, por exemplo, permitem a substituição do Pretérito Perfeito do Indicativo pelo Presente, e as estações do ano decretadas substantivos comuns perdem toda a sua carga simbólica. Isto para não falar também do que acontece com inúmeras famílias de palavras em que a ortografia varia conforme a «pronúncia». Como é possível, pois, sublinhar no Programa a necessidade de desenvolver o espírito crítico dos alunos e no que à língua diz respeito forçá-lo ao silêncio com o verbo decretar?
Se dermos, por exemplo, a ler a um aluno o pequeno extracto do texto da Introdução (pág. 7) que passo a transcrever: «O Programa privilegia o contacto direto com os textos e a construção de leituras fundamentadas […}», e o aluno questionar o professor sobre o porquê da ausência da consoante surda em «direto», que muito naturalmente lerá fechando a vogal, este só poderá responder-lhe com o incorrecto argumento da «pronúncia», sendo obrigado a fazer tábua rasa da vertente cultural (etimológica) da ortografia. Na verdade, só os professores de Português incompetentes e não habituados a pensar sobre a língua poderão aceitar tal critério.
Não se aperceberam também os autores dos programas da incongruência, expressa na frase abaixo sublinhada, a propósito da referência «à geografia do Português no mundo» (pág. 9), salientando a sua importância «para que os alunos se apercebam do capital de desenvolvimento representado numa língua que, falada por muitos, se preserva no ato da sua própria diversificação ? E o que dizer de «numa ótica de valorização dos textos»? (pág. 4) Forçar os portugueses a omitir na escrita as consoantes surdas (não pronunciadas) sob a acusação de os «Lusitanos» demonstrarem «teimosia» na sua manutenção (argumento usado em NE) dá uma triste imagem dos autores deste AO e dos seus seguidores.
Caso não se lembrem os autores destes novos programas, o Ministério da Educação deu um parecer profundamente negativo à assinatura do AO que, infelizmente, sofreu a sorte de todos os outros pareceres, igualmente desfavoráveis – o esquecimento – inclusive o do Professor Vítor Aguiar e Silva. Eis o parecer atrás referido: «Há acordos assináveis, sem grandes problemas e há outros que são de não assinar. O acordo recentemente assinado tem pontos que merecem séria contestação e é, frequentemente, uma simples consagração de desacordos.»
Maria do Carmo Vieira
Lisboa 1 de Dezembro de 2013
[Transcrição parcial (1.ª parte, “O AO”) de “Parecer sobre os novos Programas de Português do Ensino Secundário”, da autoria de Maria do Carmo Vieira. Texto recebido por email, da autora, com autorização de publicação. “Links” inseridos por nós. Imagem de Botello, WikiLusa.]