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Na semana passada, a pretexto de perguntas que geralmente me fazem, falámos de algumas das desvantagens do Acordo Ortográfico: perda de unidade estrutural da Língua, o caos ortográfico já instalado (e ainda vamos a meio do período de transição), a ruptura entre escritores e leitores de gerações diferentes. Apetece perguntar, trará o AO tamanha benesse que compense tais atropelos?

Alguns defensores do AO parecem perseguir ainda o sonho de um Português Universal. Diz-nos Maria Helena Rocha Pereira: “o erro foi a reforma de 1911 ter sido feita sem o Brasil. O que estamos a fazer agora é um remendo: é a aproximação possível”. Ora, passados mais de cem anos, reparar o cisma de 1911 não só é impossível como não faz sentido. Porque não só esse cisma permanece, como se criam outros, a começar pelo já referido corte entre gerações. Porque hão-de os nossos netos ler este texto com a mesma estranheza com que lemos Gil Vicente pela primeira vez? Mas veja-se também o corte entre países que seguem o AO (Portugal…) e os que não seguem; o corte entre quem pode ignorá-lo e quem é obrigado a segui-lo; o corte entre quem o segue e quem o segue… em versão “à la carte”. Longe de unificar, o AO90 apenas cria mais uma norma.

Dizem os defensores do AO que o objectivo não é “unificar” mas sim “normatizar”. Mas… como, se se elege a pronúncia como norma e esta difere de país para país e mesmo dentro de cada país? Quem se arroga o direito de declarar que há consoantes mudas em palavras como “Egipto, “excepto” ou “expectante”?

Não são por certo os opositores ao AO. Ao contrário do que dizem os meus amigos acordistas, quem está contra o AO limita-se a exigir que se deixe a Língua seguir o seu caminho.

Já Maria Helena Rocha Pereira, Malaca Casteleiro, Carlos Reis, Lindley Cintra e Aníbal Pinto de Castro comportaram-se, eles sim, como donos da Língua, do alto da sua omnisciência e em estranha convivência com a classe política da altura – por muito boas que tivessem sido as suas intenções.

Acordistas ou não, meus amigos, é tempo de dizer basta. É por demais evidente que, exceptuando os editores escolares e os “funcionários da Língua” que se passeiam em torno de siglas estranhas como IILP, VOLP ou ILTEC, a ninguém serve o Acordo Ortográfico.

Não faz sentido terraplanar diferenças entre pt-PT e pt-BR quando essas diferenças são uma riqueza e não um empecilho. É tempo de acabarmos com este absurdo, no preciso local onde o absurdo começou: a Assembleia da República.

Se os nossos deputados tardam na resolução pronta deste problema, cabe-nos a nós, simples cidadãos, indicar o caminho. Não posso deixar de saudar o Diário de Coimbra que, como outros órgãos de comunicação social, se mantém fiel ao português correcto. Mas permito-me destacar uma forma de luta eficaz, ao alcance de todos. Convido-vos a subscrever a Iniciativa Legislativa de Cidadãos pela revogação da entrada em vigor do Acordo Ortográfico (revogação da RAR 35/2008). Saiba como em cedilha.net/ilcao.

Faça-se ouvir.

Rui Valente

[Texto publicado no jornal “Diário de Coimbra” de 12.02.14. “Links” acrescentados nesta reprodução.]

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