Um caso de revisionismo de conveniência

Por Helena Carvalhão Buescu, Ana Isabel Buescu, Jorge Buescu

Chegou ao nosso conhecimento que as dras. Edite Estrela, Almira Soares e Maria José Leitão utilizaram, em lugares diversos (em livro e mesmo através do Facebook), o nome de nossa Mãe, Maria Leonor Carvalhão Buescu, para, através de uma grosseira descontextualização e por isso deturpação, aproximar o sentido dos seus trabalhos científicos do que pretenderiam ser uma totalmente inviável legitimação do AO [Acordo Ortográfico] 90.

Convém repor a verdade, sobretudo quando ela altera e por isso mancha a reputação de quem, ao longo de toda a sua vida, foi uma generosa e infatigável defensora de princípios científicos que justificaram a sua crítica frontal ao AO, no âmbito das polémicas que sobre ele desde os anos 80 tiveram lugar.

Convém repor a verdade, sobretudo quando a pessoa em questão não está já entre nós para o poder fazer por ela mesma. Uma deturpação como esta, realizada por quem sabe quanto a crítica directa ao AO foi uma das posições definidoras de Maria Leonor Buescu, roça o abuso do direito ao bom-nome, que está constitucionalmente protegido, mesmo para aqueles que já faleceram, como é infelizmente o caso.

Entendamo-nos: os trabalhos científicos são públicos e podem naturalmente ser lidos e citados por quem os aprecia e reconhece neles qualidade. Nesse sentido, é evidente que poucas pessoas entre nós terão tido a legitimidade de se pronunciar sobre a ortografia, do ponto de vista histórico, como Maria Leonor Buescu, ela que entre outras coisas conheceu como poucos os nossos gramáticos do século XVI.

No entanto, a transposição adulterada do seu saber apenas manifesta que quem a cita não sabe o suficiente para a compreender, e apenas está interessado em abusar do seu nome. As observações de Maria Leonor Buescu descrevem uma situação histórica, do 1.º quartel do século XVI, em que os primeiros gramáticos e ortografistas foram confrontados com a necessidade de codificar o vernáculo de uma forma sistemática, o que ainda não tinha ocorrido até aí. Esse movimento, que ocorre em Portugal como em Espanha ou França, por exemplo, não pode ser comparado com o que aconteceu no final do século XX. Ou seja, as polémicas gramaticais de 1530 não são as mesmas de 1980 nem de 2012, e extrapolar de um período histórico para outro, com ligeireza e irresponsabilidade, apenas demonstra que quem o faz não sabe o suficiente para compreender o que está em jogo. É lamentável que estas deturpações surjam em letra de forma, aliás.

Mas o mais revoltante é que quem o faz é com má-fé, desvirtuando o pensamento e a rectidão de quem não pode já corrigir tais deturpações. Isto não podemos nós, seus Filhos e herdeiros intelectuais, permitir. Vimos pois por este meio condenar o abuso e o desvirtuamento do nome da nossa Mãe, no contexto da polémica sobre o AO, por quem gostaria de encontrar argumentos, que não tem, para o justificar.

É com orgulho que dizemos que Maria Leonor Buescu continuaria hoje, se fosse viva, a ter precisamente as mesmas posições que nos anos 80 e 90. Ou seja, continuaria a criticar de forma tenaz e inteligente, com o saber que ao longo dos anos construiu, o presente Acordo, que na sua óptica era uma peça cientificamente lamentável e socialmente injustificada.

Helena Carvalhão Buescu, Ana Isabel Buescu, Jorge Buescu

[Transcrição de texto da autoria conjunta de Helena Carvalhão Buescu, Ana Isabel Buescu e Jorge Buescu. Jornal “Público”, 06.03.12. Link disponível apenas para assinantes do jornal. Os “links” no texto foram adicionados por nós.]

Este assunto já antes foi destacado aqui mesmo, no site da ILC.
Ver http://cedilha.net/ilcao/?p=4759

Nota: os conteúdos publicados na imprensa ou divulgados mediaticamente que de alguma forma digam respeito ao “acordo ortográfico” são, por regra e por inerência, transcritos no site da ILC já que a ela dizem respeito e são por definição de interesse público.

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