Ex.ma Senhora Directora do jornal “Público”,
Começo por lhe manifestar, mais uma vez, a minha admiração e o meu reconhecimento pela inteligência, firmeza, coragem e perseverança com que o “Público” assumiu e inequivocamente mantém a defesa do Português europeu, rejeitando e condenando o “Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa” de 1990.
Esta carta vem a propósito das últimas notícias divulgadas por esse jornal relativamente à adesão da Guiné Equatorial à CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa). Fica desde já a pergunta: o que é que a Guiné Equatorial tem que ver com o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990 (AO90), um dos fundamentos da Comunidade (ver citação abaixo), congeminado pela Academia Brasileira de Letras e pela Academia das Ciências de Lisboa, na sequência de uma longa ‘guerra’ ortográfica entre académicos de Portugal e do Brasil, com início em 1907, quando o Brasil fez unilateralmente a sua reforma ortográfica?
Partindo da reflexão que me foi sugerida pelo Editorial de 06/07/2014, eu diria que, para a CPLP, uma organização cada vez mais abertamente de “conteúdo económico”, de facto “negócios são negócios”, como em tempos disse o brasileiro Celso Amorim. E o modo como a própria língua portuguesa, bandeira de fachada dessa instituição, tem vindo a ser usada e manipulada, negando a sua autenticidade e diversidade, pela imposição do pretensamente “unificador” AO90, é disso testemunho irrefutável. A propósito, recordemos as delirantes declarações de Pinto Ribeiro, Ministro da Cultura de José Sócrates, em São Paulo, a 10 de Junho de 2008: Façamos mais de duzentos milhões de grandes patriotas cultos e espalhemos pelo mundo esse modelo plural e heterónomo de ser e este modelo de xenofilia, de integração pela língua e pela cultura tolerantes e acolhedoras. (Lusa)
A “irresponsável diluição de princípios” e a “diplomacia da subserviência e da permissividade”, a que se refere o “Público”, já vêm de longe. Nunca entendi como foi possível conceber e fazer assinar pelos oito países da CPLP o texto inqualificável do “Acordo do Segundo Protocolo Modificativo ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa”, “feito e assinado em São Tomé em 25 de Julho de 2004”. Para quem não o leu na íntegra e – pior – em nosso nome o aprovou na Assembleia da República a 16 de Maio de 2008 (Resolução da AR n.º 35/2008), recordo estas passagens significativas:
(…) Tendo em conta que, desde a IV Conferência de Chefes de Estado e de Governo da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), ocorrida em Brasília em 31 de Julho e 1 de Agosto de 2002, se adoptou a prática, nos Acordos da CPLP, de estipular a entrada em vigor com o depósito do terceiro instrumento de ratificação; (…)
Evocando a recomendação dos Ministros da Educação da CPLP que, reunidos, em Fortaleza em 26 de Maio de 2004, (…) reiteraram ser o Acordo Ortográfico um dos fundamentos da Comunidade (…) decidem as Partes:
Dar a seguinte nova redacção ao artigo 3.º do Acordo Ortográfico:
«Artigo 3.º
O Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa entrará em vigor com o terceiro depósito de instrumento de ratificação junto da República Portuguesa.» (…)
E a Assembleia da República aprovou isto em nosso nome! E há por aí quem se diga “democrata”, e se proponha salvar o nosso país, escrevendo ao mesmo tempo assumida e orgulhosamente com o AO90: mostra-me como escreves, dir-te-ei quem és!
Para terminar, quero também dizer a quem nos governa ou nos pretende governar: “Deixem a língua portuguesa em paz”!
Com os meus cumprimentos,
P.S.: Esta carta seguirá com conhecimento para a Iniciativa Legislativa de Cidadãos contra o Acordo Ortográfico, que subscrevi, divulgo e apoio.