«Os outros países assinaram o acordo em uma semana em que estiveram em Portugal bebendo vinho, sem entender direito.»
Ernâni Pimentel, 18 de Agosto de 2014

Ah, pronto, assim compreende-se…

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“Caza com ‘z’ continua sendo um substantivo”, diz professor que propõe alterações no Português

Ernani Pimentel coordena a Comissão de Educação do Senado, cujo projeto pretende facilitar a escrita da língua
por Bruna Scirea
18/08/2014 | 13h05

Um projeto para alterar (mais uma vez) as normas ortográficas da língua portuguesa está em elaboração pela Comissão de Educação do Senado. Se o novo acordo for aprovado, a partir de 2016 não vai mais existir “Homem” com “H” maiúsculo. Nem com minúsculo.

Entre as regras que devem ser apresentadas para avaliação no próximo mês, está o desaparecimento do “h” no início de palavras, e a abolição total do “ç”, do “ch” e do “ss”.

Confira abaixo a entrevista com o professor de português Ernani Pimentel, um dos coordenadores do grupo técnico da Comissão de Educação do Senado.

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Zero Hora — Que mudanças devem ser propostas?

Ernani Pimentel — O hífen pode ser abolido. Ele não existia no latim. Antes do acordo, ninguém sabia as regras antigas. Agora, ninguém sabe as regras atuais também. Ponto. Significa que não funciona. Outro problema é o do “j” e do “g”. Esses dias vi duas placas em Genipabu, uma tinha a inicial “G” e a outra “J”. É uma confusão. Como se resolve isso? Transformando a letra “G” em “gue”. Todo som que tenha o “u” no meio, vai ser com “g”. O resto, como Genipabu, vai ser escrito com “J”.

ZH — E o “ch” e o “x”?

Pimentel — A regra do “x” e do “ch” é muito simples (ironia): as palavras indígenas, árabes e de origem africana são escritas com “x”. Agora, quem é que sabe das origens das palavras?

ZH — E o que esse projeto elaborado pelo grupo técnico pretende?

Pimentel — Fazer com que a escrita e a leitura sejam mais simples. As novas regras não vão mexer na língua. Tem muita gente mal informada em relação a isso. Se eu escrever “casa” com “z”, ela vai continuar sendo um substantivo, funcionando como objeto direto, como predicativo do sujeito, etc. A língua continua do jeito que é, só vai mudar a forma de escrever.

ZH — Por que a obrigatoriedade do acordo teve de ser adiada do fim de 2012 para 2016?

Pimentel — O acordo teve muitos problemas para ser implantanto. Vou te dar um exemplo. Não existe um professor que consiga dizer: “eu sei as regras ortográficas”. E se o professor não souber, ninguém vai saber. Esse projeto foi feito a portas fechadas, não houve discussão. A Academia Brasileira de Letras (ABL) e a Academia das Ciências de Lisboa decidiram sozinhas, sendo que elas não têm conhecimento suficiente para isso. Cada uma tem apenas um filólogo, que é o que entende de língua. Então foram duas pessoas que definiram um acordo todo.

ZH — E os outros países de língua portuguesa?

Pimentel — Os outros países assinaram o acordo em uma semana em que estiveram em Portugal bebendo vinho, sem entender direito. Esse acordo foi assinado em 1990 e ficou parado um tempo. Dezoito anos depois, ele foi transformado em lei. Só que o pior ainda é que essas regras ortográficas haviam sido discutidas em 1975, o que significa dizer que você vai colocar em vigor uma maneira de pensar da época da ditadura, com base no “decoreba”.

ZH — E como o Senado entrou no processo?

Pimentel — O Senado ouviu reclamações de muitas pessoas da sociedade e acabou fazendo duas audiências públicas. A ABL foi chamada, assim como o Ministério da Educação (MEC). Nenhum dos dois foi. O governo se ausentou porque não tinha o contra argumento. A ortografia é um patrimônio de todo mundo e o debate aberto deve ser provocado.

ZH — Mas essas mudanças deverão encontrar uma enorme resistência…

Pimentel — Pergunto para você, o que você acha dessas ideias?

ZH — Bom, acho que teria medo de desaprender o pouco de gramática que já sei…

Pimentel — Você não vai desaprender o que sabe. Você vai é aprender o que nunca soube. Tudo vai ficar mais fácil, as pessoas vão optar pelo comodismo. Não temos dúvida de que a ortografia tem que ser simplificada para melhorar o ensino no Brasil e nos outros países também. As regras de hoje deixam os alunos com trauma de escrever e de ler. E se eles não sabem isso, não aprendem nada.

[Transcrição integral de notícia do jornal “Zero Hora” (de Porto Alegre, Brasil) publicada em 18.08.14. “Links” e destaques inseridos por nós.]

Agradecimentos a Marcelo Soriano, do Brasil, pela indicação da notícia.

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