De «preguntar»…
Tem graça. Ruy Ribeiro Couto, Olegario Marianno, José de Sá Nunes, um deles ou outro da delegação brasileira que negociou o Acordo de 1945 foi célere em cantar vitória num telegrama do Rio de Janeiro publicado pelo Diário Popular de Lisboa em 22 de Dezembro de 1945. Se temos hoje inquestionada a grafia «perguntar» (pràticamente só brasileira em 1945) foi por imposição brasileira. Do genuíno e generalizado «preguntar» português («90% dos portugueses — cultos e incultos preguntam» — V. B. de Amaral, «Bases da Ortografia Luso-Brasileira», p. 18) não há nem memória, salvo nuns iletrados populares que falam como dizem e pronto. Outro capricho brasileiro deu-nos, aos portugueses, em 1945, «quer» por «quere», «cacto» por «cato», tecto» por «teto», «corrupção», por «corrução», «aspecto» por «aspeto». E se damos alvíssaras e não «alvíçaras» a tantas destas coisas devemo-lo ao Dr. José de Sá Nunes, que chefiou a delegação brasileira para fixação da ortografia em 1945. Devem ser estas as regras mais próximas fònicamente dos portugueses que à boca cheia se apregoam e repetem.
Pondo doutro modo: 1) muitas das consoantes abominadas pelo caco gráfico de 1990 foram reintroduzidas na ortografia da língua portuguesa em 1945 por causa dos brasileiros; por causa da fala dos brasileiros, que as pronunciavam e pronunciam e, por conseguinte (bem), não abdicaram delas; os portugueses submeteram-se; 2) o vetusto vernáculo preguntar dos portugueses foi extirpado do português correcto e respeitável (e em poucas gerações do falar popular, até) porque… Enfim, porque os brasileiros dizem pêr-gun-tar!
Estes são singelos exemplos. Mais haveria.
E daqui remeteu-se Portugal a uma dignidade serôdia mantendo uma ortografia com regras fabricadas em larga medida em 1945 por brasileiros que logo as renegaram com pregão à falsa fé, até hoje, de ser aquela uma ortografia… lusitanizante! — Pois não havia de sê-lo nada, nem um só pedacinho?!…
E para cúmulo flagelar-se disso Portugal por complexo de não sei quê, rebaixando-se a uma indignidade imprópria por tornar ainda a negociar com os párias do português, tomando-lhe agravos como se nada fossem, indo a ponto de descurar o valor diacrítico das consoantes etimológicas para a linguagem escrita e falada dos portugueses apenas e só porque os brasileiros esquizofrènicamente as desprezam como desprezam o que seja português.
Se não é isto mania, fixação obstinada, prazer mórbido em servir de capacho, não sei o que seja.
[Transcrição integral de “post” publicado no “blog” Bic Laranja em 13.03.15.]