ipsilon_faceHá preconceito e uma certa arrogância da nossa parte, mas também dos brasileiros em relação a nós. As duas línguas estão estruturadas autonomamente e o grau de abertura do Brasil em relação ao estrangeiro, quando existe, é para outros territórios. Sobretudo os Estados Unidos. Olham muitas vezes a nossa escrita como pedante e nós encaramos o à-vontade deles como ligeireza.” Francisco José Viegas contextualiza, refere um caminho comum cheio de preconceitos históricos. “O salazarismo desconfiava do Brasil, de onde vinha toda a imoralidade, um certo sentido da barafunda, e havia – claro – o ressentimento contra a antiga colónia. Os brasileiros desconfiavam de um país de pobretanas e de provincianos que nunca tinham compreendido a “grandeza brasileira”.

De modo que, durante anos, desconhecemo-nos com orgulho e arrogância. Aquele Brasil que as telenovelas históricas da Globo nos trouxe significou para nós uma redescoberta do Brasil, sim, mas os intelectuais mantiveram sempre um preconceito europeu em relação ao que se fazia lá. Ignoravam que a universidade brasileira tinha debates profundos e alargados, que a literatura já não era apenas o cânone nordestino, que havia uma cultura urbana (sobretudo em São Paulo ou Porto Alegre) muito viva, que a literatura brasileira tinha, de facto, reinventado a língua portuguesa (no cânone clássico, com Érico Verissimo, Clarice, Rubem Fonseca; e que uma nova geração prolongava, com Assis Brasil, Patrícia Melo, Marçal Aquino, Tabajara Ruas – e hoje com Eucanãa, Galera, Ruffato, Mutarelli, Elvira Vigna, Paula Maia.” Os nomes continuam. No Brasil conhece-se Pessoa como se Pessoa fosse brasileiro, em Portugal Carlos Drummond de Andrade ou João Cabral de Melo Neto estão longe de serem muito conhecidos, menos ainda lidos, salienta Hugo Mãe.

Nas universidades brasileiras ensinam-se portugueses contemporâneos. Na portuguesa, Abel Barros Baptista diz que não se lembra de um português ter pedido para fazer um doutoramento em literatura brasileira. Onde estão as falhas? “O Acordo Ortográfico não vem resolver nada”, dizem, como num coro, todos os nomes ouvidos para este texto. “O Acordo Ortográfico está implantado no Brasil. Nos jornais e na edição, é o modelo que funciona. O Brasil nunca ligou muito a acordos desses. Mas não nos podemos esquecer de que o português de Portugal e o do Brasil são e hão-de continuar a ser expressões diferentes da mesma língua. Julgar que a ortografia iria unificar as duas formas do português, só mesmo por piada. Vamos continuar a ter duas versões do português, mesmo se a ortografia se aproximou mais”, resume Francisco José Viegas. Mirna Queiroz fala da necessidade de uma “relação descomplexada sem expectativas vazias”. E o coro, em síntese, diz isto: enquanto passar pela cabeça de alguém traduzir um livro de português do Brasil para português de Portugal e vice-versa, as contas estarão voltadas e todos os contágios serão poucos.

publico

[Excerto de artigo com o título “Portugal e Brasil: orgulho e preconceito entre duas literaturas”, da autoria de Isabel Lucas, publicado no suplemento “Ípsilon” (do jornal “Público”) de 03.04.15. Os destaques e “links” são nossos.]

Nota:  visto que a “Wikipedia lusófona” passou a ser brasileira, apenas utilizamos ligações a entradas da Wikipedia em Inglês.

 

 

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