Debate Novo Acordo Ortográfico
Um acto político de empobrecimento cultural
A imposição do novo Acordo Ortográfico (AO), à margem do quadro legal vigente que prevê um período de não obrigatoriedade da sua utilização até 2015, tem suscitado um debate público interessante que só tem reforçado as razões dos que se lhe opõem.Na verdade, as mais relevantes manifestações de apoio ao AO traduzem-se pelo “aproveitar do momento” para que a sua aplicação seja um negócio e pela sua imposição nas escolas portuguesas. Para milhares de professores, esta determinação, adoptada por aproveitamento do desconhecimento dos contornos de uma simples resolução da Assembleia da República, transformada em instrumento de revogação de um decreto-lei, é uma violência. Os últimos Governos correram a transformar em norma imediata o conteúdo desta resolução, quando fazem tábua rasa de outras resoluções que têm o mesmo peso político e que são, social, económica e politicamente, muito mais relevantes e importantes. Esta pressa reforça a defesa de que a decisão tomada pelos órgãos de soberania, mais do que científica, socialmente relevante ou culturalmente interessante, é meramente política.
É o interesse económico que prevalece e, mais uma vez, a perda de soberania que sobressai.
O que pode justificar que a imposição de uma decisão ilegal a quem se lhe opõe tenha mais razão de ser do que a liberdade de opção, quando a própria lei estabelece o direito de escolher entre a ortografia da revisão de 1945 e o novo acordo ortográfico?Por que razão se acham as maiorias parlamentares constituídas nos últimos seis anos no direito de impor, ao Povo que as elegeu, regras que dois terços dos portugueses recusam?
Porque preferem os decisores políticos ignorar pareceres científicos e de organizações idóneas no domínio da investigação e da análise linguística, optando por um brutal empobrecimento da língua portuguesa, ao não respeitar a origem etimológica dos seus vocábulos, a sua extraordinária e única sonoridade e a própria estética da escrita?
O que pode levar os políticos a determinar a obrigatoriedade da utilização do novo Acordo Ortográfico em documentos oficiais ou em actos públicos se existe um período transitório no decurso do qual o Parlamento pode ainda decidir pela suspensão da sua aplicação?
Qual a motivação para que a arrogância política sujeite os resistentes à aplicação do novo acordo ortográfico, quando não existe qualquer razão para que o inverso não aconteça?
Porque é que os decisores políticos adoptaram um comportamento parolo, adequando, como dizem, a língua portuguesa escrita à língua portuguesa falada, quando a nação mais populosa não o fez da mesma maneira e quando a uniformização da escrita foi a razão mais invocada para que este acordo ortográfico se efectivasse, apesar de ter sido o Brasil o primeiro a denunciar a uniformização operada com a revisão de 1945?
Uma língua é tão mais rica quanto maior for a diversidade que apresenta. Esta decisão ilegal dos políticos que assumem o poder desde 1990 é tanto mais incompreensível quando uma pretensa unidade linguística dos países de língua portuguesa é comprometida com a não adesão de Angola e Moçambique ou quando o que se transformou numa regra para Portugal tem tantas excepções no Brasil, precisamente a nação com mais falantes de português. A fraca implantação e afirmação, no mundo, do português escrito e falado em Portugal, podendo ter raízes fonológicas, não iliba os responsáveis políticos que desistiram de afirmar a cultura portuguesa fora de portas. Veja-se o miserável papel que o Instituto Camões tem desempenhado ao optar pela redução do apoio ao ensino do Português no estrangeiro, junto das nossas comunidades de emigrantes que poderiam ser um dos veículos mais importantes da difusão da cultura e da língua portuguesa.
E porque não há justificação para o injustificável, reforça-se a motivação para que os que podem e querem subscrever a Iniciativa Legislativa de Cidadãos (em http:// cedilha.net/ilcao/) sejam cada vez mais. Uma iniciativa que visa, democraticamente, levar ao Parlamento, de novo, esta discussão e, eventualmente, ver suspensa a aplicação deste AO. E é tão fácil fazê-lo, bastando, para tal, que usemos de um direito consignado na nossa Constituição da República, a qual, já agora, não está escrita com este Acordo Ortográfico.
Luís Lobo
[Artigo de Luís Lobo, professor e dirigente sindical, no PÚBLICO de hoje, 3 de Fevereiro de 2012 (link disponível para assinantes).
Nota: artigo publicado tendo em conta o seu manifesto interesse público.]