Além do negócio também tem uma série influência a vontade destas personagens de quererem ficar “na História”. Como os Portugueses não têm realmente condições para “entrar para a História” mundial, querem pelo menos entrar para a História de Portugal.
Os meios que as personagens com esta vontade costumavam empregar eram as Obras (caminhos-de-ferro e pontes primeiro, mais tarde estradas e auto-estradas, expos e estádios) e os Monumentos (mosteiros, palácios, centros culturais de Belém).
Na última década escasseavam estes meios tradicionais. Os caminhos-de-ferro foram encerrando, já quase não se consegue inventar sítio por onde passar mais auto-estradas, os monumentos estão em ruínas e não há riqueza suficiente para os conservar. Mas resta um meio expedito de entrar “para a História”: mudar a ortografia da língua Portuguesa.
E através deste expediente ficariam “na História”, até porque para os vindouros este seria um “momento zero”. A memória, para todos os efeitos práticos, não recuaria ao tempo antes deste “momento zero” e assim estes políticos e decisores, os primeiros a constarem nos documentos da ortografia triunfante, seriam quase encarados como os verdadeiros “fundadores” do futuro. Verdadeiros vultos nacionais.
O raciocínio não é assim tão desprovido de sentido. Basta pensar que provavelmente não excedem os dedos das mãos a presença na vida cultural e intelectual da produção literária e científica dos autores anteriores à reforma ortográfica de 1911.
Apenas alguns (poucos) autores foram reeditados na nova grafia e na grafia do AO45 e apenas estes estão na memória cultural e intelectual – Camões, Eça de Queirós, Fernando Pessoa, Camilo Castelo Branco, Almeida Garrett são os mais presentes, pelo lado literário. Pelo lado do ensaio, quase ninguém foi sendo reeditado. Pelo lado científico, muito menos. E assim todo o conhecimento vertido na ortografia “antiga” vai sendo apenas acessível a um círculo altamente especializado e restrito de estudiosos e académicos.
As mudanças ortográficas, em Portugal, foram sempre políticas. A reforma de 1911 nasce da vontade política da República de impor o novo regime sobre a Monarquia, criando um “momento zero” e diminuindo o risco do ressurgimento das correntes políticas do antigo regime. A população maioritariamente analfabeta seria alfabetizada na nova ortografia e não haveria o risco de ser permeável aos textos filosóficos e políticos das correntes do antigo regime, se acaso uma vez alfabetizada viesse a ter apetência por eles. Antes prevenir do que remediar. A reforma de 1945 é um instrumento semelhante para o regime do Estado Novo. O Estado Novo consegue o seu “momento zero”, criando um novo ponto de ruptura com a deposta República. E eis-nos chegado a um novo “momento zero”. Mas desta vez não é uma questão de regime. É apenas uma questão de Vanitas. Uma certa classe política e intelectual que quer ficar na História. Quer criar um legado. Quer ser importante. Quer ser marcante. Quer ficar como a que “modernizou” Portugal. São os “construtores de pirâmides”. E Deus nos ajude.
Jorge Teixeira (em comentário a “post” neste mesmo “site”)