Devo começar por dizer que duvidei na hora de enviar este texto. No fim de contas, sou espanhola e alguns portugueses poderiam levar a mal uma estrangeira vir cá opinar sobre aquilo que não lhe diz respeito. Depois pensei melhor e concluí que poderia enviá-lo porque se frequentei a Escola de Línguas da minha cidade (Zamora) durante cinco anos a estudar Português, se há 10 anos costumo tirar todas as minhas férias e fins-de-semana alongados nesse país vizinho, se nos últimos cinco anos li apenas dois livros na minha língua materna mas dúzias e dúzias deles em Língua portuguesa, se não perco um curso, workshop, festival de fados ou qualquer outro evento organizado pela Fundação Rei Afonso Henriques em Zamora com o fim de aprofundar o meu conhecimento da cultura portuguesa, se visito cada dia o site do PÚBLICO (obrigada pela vossa resistência em aderir ao AO, que me permite informar-me em Português correcto) e se a tudo isso acrescentarmos o meu profundo amor por Portugal, determinei que o Português faz parte da minha cultura e até da minha vida e que sim, tenho alguma coisa a dizer. E rogo-lhes que me permitam dizê-lo sem se ofenderem porque é por respeito e afecto que escrevo.
Sou contra o mal chamado AO (porque nem é acordo nem é apenas ortográfico), em primeiro lugar porque defendo as diferenças. No meu país convivem várias línguas oficiais (castelhano, galego, basco, catalão e valenciano) e, excepção feita a políticos interessados em enfrentar as pessoas na procura de uns votos aqui e acolá e entreter o pessoal com tolices, isso não nos causa problema nenhum mas, pelo contrário, enriquece o nosso património cultural.
Quando falo com colegas, amigos ou familiares sobre o AO da Língua Portuguesa, eles ficam admirados. Não percebem e dizem que eles nunca permitiriam uma coisa dessas aqui. Não percebem e embora a maioria se esteja nas tintas (infelizmente, os espanhóis não ligam muito às notícias vindas de Portugal, embora ache que a tendência começa a mudar) quase sempre me perguntam: “E então, os portugueses não estão a fazer nada para evitar isso? Fosse aqui e eu…” Mas não é aqui, é aí. A Real Academia Española de la Lengua fez historicamente acordos com as academias do resto dos países que têm o Castelhano (ou Espanhol, como prefiram) como língua oficial mas sempre foram respeitadas as diferenças de vocabulário, fonéticas e ortográficas de cada país, sendo logicamente a RAE quem dita as normas, uma vez que é a Espanha o país do qual a Língua é originária. Até onde eu sei nunca veio aqui um país maior em número de habitantes (o México, por exemplo) a dizer-nos que tínhamos que falar ou escrever como eles, como também não tivemos uns académicos que, servindo vá lá saber os interesses de quem, decidiram um dia inventar um acordo ortográfico irracional e completamentecontra naturam, uma vez que as Línguas devem evoluir ao ritmo do uso que lhes dão os povos que as utilizam para a sua comunicação e nunca servir interesses político-económicos. Com a Língua, máximo exponente de um país, não se brinca nem se negoceia.
No tocante aos aspectos técnicos do assunto, poderia expor os argumentos utilizados por pessoas que sabem muito mais do que eu. Apenas digo que, como espanhola que aspira a um dia denominar-se lusófona, não estou a ver qual a vantagem de unificar a Língua Portuguesa eliminando a rica diversidade ortográfica e fonética existente e, mais, que não entendo que para essa suposta unificação tenham criado este Acordo que, longe de unificar, traz (ainda) mais duplas grafias e gera uma confusão que não existia. Inventaram um problema onde ele não existia. Até nas escolas de línguas, aqui em Espanha, o pessoal docente e os estudantes ficaram perdidos e sem saber se ligar a umas regras estúpidas “por imposição” ou declarar-se “em rebeldia”.
Termino dizendo que tenho muita pena (raiva até) por não poder lutar contra o AO da maneira mais efectiva, se calhar da única maneira efectiva: assinando a ILC (http://cedilha.net/ilcao) que faria ouvir a voz dos que são contra na Assembleia da República e que, em boa lógica, conseguiria revogar o AO90 antes que seja tarde de mais e a Língua Portuguesa seja definitivamente traída. Não precisam mais do que empregar cinco minutos escassos do seu tempo em assinar e enviar a subscrição da ILC. Não é uma coisa difícil, nem cara, nem inútil, acreditem. O futuro da Língua portuguesa está nas vossas mãos, portugueses, e é bom que assim seja. Vocês decidem.
Rocío Ramos
Empresária, de Zamora, Espanha.
[In jornal “Público” de 07.09.12, página 53. Link para a versão online disponível apenas para assinantes do jornal.]