O ACORDÊS: SÓRDIDA TEIMOSIA

– Pois!… E quem tem filhos na escola, que faz? A Daniela começou agora.
– A Daniela é sua filha ou do Estado?
– !!!… Na escola só ensinam…
– «Acordês»? É ilegal. A ortografia portuguesa rege-se pelo Dec. 35 288 de 8/Dez./45 e pelo D.L. 32/73 de 6/Fev. O «Acordo Ortográfico» é um tratado internacional nulo nos termos da Convenção de Viena; o voluntarioso II Protocolo Modificativo malogrou-o (v. J. Faria Costa e F. Ferreira de Almeida, «O chamado ‘novo acordo orto-gráfico’: um descaso político e jurídico», D.N., 13/2/12). Nulo que é, não vigora na ordem jurídica internacional. Não tem, assim, como suster-se na nacional. A resolução do Conselho de Ministros buscando impô-lo no ensino não tem força de lei. A escola deve ensinar e avaliar o português conforme as leis de 45 e 73. Eis um argumento para impugnar o ensino do «acordês» à sua filha. É ilegal, ponto final.
– Mas se é ilegal como anda então o «acordo» para aí espalhado?!
– Por atropelo e propaganda falaz. Vemos políticos diariamente a farejar donde sopra o vento para despacharem os negócios do (seu?) estado. Se brisa não sopra ligam a ventoinha…
O «acordo» aí espalhado sopra da ventoinha. Com displicência e atropelo. Andou anos a aboborar. Em 90 gente de siso viu a asneira. Os pais do desconchavo não. – Estes têm nome; não se lhe negue o demérito por alguns já cá não estarem. Por Portugal, Américo da Costa Ramalho, Aníbal Pinto de Castro, Fernando Cristóvão, Fernando Roldão Dias Agudo, Malaca Casteleiro, José Tiago de Oliveira, Lindley Cintra, Manuel Jacinto Nunes, M.ª Helena da Rocha Pereira e Vasconcelos Marques. – Outros o animaram, alguns ainda em cena: o então primeiro-ministro Cavaco com displicente ligeireza; o secretário Santana da (in)cultura com presteza clarividente!…
Presidentes (Soares e Cavaco) e deputados em 91, 2000, e 2008, todos aprovaram e ratificaram um lodo em cuja justificação se lê e lia: «Como é que uma criança de 6-7 anos pode compreender que palavras como concepção, excepção e recepção a consoante não articulada é um p, ao passo que em vocábulos como correcção, direcção, objecção tal consoante é um c?» [Nota explicativa ao A.O., 4.2 c) ]
Pueril!
E gente deste nível mental elabora tratados de ortografia que ninguém lhe pede? Gente que se flagela (e a nós) num tratado internacional com labéus como: «A divergência de grafias existente neste domínio entre a norma lusitana, que teimosamente conserva consoantes que se não articulam […]» [Idem, 4.2 d) ]? E é, pois, «teimosia» os portugueses redigirem o seu idioma conforme as regras que lhe melhor servem e não como à Academia Brasileira de Letras lhe parece? É ainda «teimosia» serem essas mesmas regras as acordadas com a A.B.L. em 1945, depois rejeitadas intempestivamen-te pelo congresso brasileiro?! (E ainda são os que estão contra o atropelo acusados de xenófobos!)
Anos assim a aboborar e – ó demência! – eis a vertigem.
O agora presidente Cavaco vai ao Brasil em 2008 e vem a confessar a pressão que lá sentia para ratificar por Portugal o II Protocolo ModificativoCavaco elogia Acordo Ortográfico mas confessa que em casa ainda escreve à moda antiga», Público, 22/V/2012.).
Obediente, ratifica-o!
Da ventoinha jorra então um torvelinho demencial: ratificação apressada e cega em Portugal do II Protocolo Modificativo (juridicamente nulo); sua introdução falaz na ordem jurídica portuguesa com pretensa roupagem oficial (R.A.R 35/2008, de 29/7 e R.C.M 8/2011 de 11/1, com um errático Aviso n.º 255/2010 do M.N.E., de 17/9 de permeio). Nada disto tem força de lei mas bem finge. E assim nos é ditado, e calado.
A fazer pouco da inteligência com leis aparentes em função de facto (ou negócio?) particular, o logro segue internacionalmente com o opróbrio.
Ilustrativo é o caso dumas provas de recrutamento de pessoal para a uma dada empresa angolana, encomendadas a uma congénere portuguesa. Sabendo que os enunciados das provas de português iam redigidos no «novo acordo» o próprio presidente da empresa angolana avisa não conceber sequer submeter candidatos a provas de português que não sejam em… português. – Percebemo-lo. Que lhe importa certos portugueses estropiarem o seu idioma para se juntarem na marcha da História – ó vã glória!…– aos que seguem com o passo trocado?
E entre nós vai um caos. Até em família o «acordo» fomenta divisão: pais procurando que os filhos aprendam português e a escola, o ministério, o governo, esses sim teimosos, ensinando-lhe acordês. – Só podemos agora atalhar ao estrago, mais cedo que tarde, clamando pela lei na escola e assinando, dando a assinar e divulgando a I.L.C. contra o Acordo Ortográfico de 1990. Um mais que legítimo acto de boa cidadania.
– Onde se assina?
– Em www.cedilha.net/ilcao .

Paulo Rodrigues, Coord. de Formação.

[Imagem: EB1 Vale de Parra, Guia – Albufeira. Copiada do “site” da própria escola.]

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