ILC contra o Acordo Ortográfico

(site original, 2010-2015)

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PTBRsightseeingLíngua Portuguesa – enriquecimento pela divergência

 A propósito da tão falada e já estafada unificação da ortografia da Língua Portuguesa, é pertinente interrogarmo-nos até que ponto o sacrifício das culturas reflectidas nas duas principais normas da língua permite concretizar o alegado objectivo de unidade linguística nas organizações e fóruns internacionais. Todos os dias deparamos com o uso da expressão “pesquisa”, quando um cidadão brasileiro diz, por exemplo, “vou fazer uma pesquisa na Internet”, enquanto nós, portugueses, dizemos “vou fazer uma busca na Internet”. No Brasil, muitas universidades e empresas têm um departamento de “P&D” (Pesquisa e Desenvolvimento), homólogo da mesma realidade em Portugal – I&D (Investigação e Desenvolvimento). Se no primeiro caso não se coloca a questão da unidade linguística no plano internacional, já o segundo leva a pensar que, numa qualquer conferência internacional sobre determinada área científica, em que estejam presentes oradores de Portugal e do Brasil, essa unidade começa a estar comprometida. Ou talvez não. Alguém já ouviu dizer que tenha havido numa conferência internacional uma zaragata vergonhosa entre oradores dos dois países a propósito desta divergência terminológica? Eu não, e o mais provável é que nunca tenha acontecido. Os oradores dos dois lados do Atlântico aceitam quase sem darem por isso o termo divergente usado pelos seus homólogos do outro lado. E as conferências prosseguem sem grandes sobressaltos e com efusivas manifestações de agrado de ambas as partes. Continuando no plano internacional, supostamente, a Língua Portuguesa tende a desaparecer se não operar rapidamente a tal unificação da ortografia. Como explicar, então, que os dois países usem terminologias divergentes ao aderirem a resoluções e declarações de organismos internacionais, como a OIT, por exemplo, de que tanto Portugal como o Brasil são Estados-Membros e adoptaram a Agenda do Trabalho Digno, no primeiro caso, mas do Trabalho Decente, no segundo? continue reading…

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ARTVPortugal recebeu o epíteto de bom aluno pela sua submissão às exigências das instituições internacionais que, arvoradas em bons professores, lhe têm indicado o caminho da “salvação”. Um aluno cordato, muito ao gosto dos professores mais exigentes.

“Ah, mas isso já todos sabemos!” – comentarão alguns. – “Não se fala de outra coisa!”.

É verdade. Nos últimos tempos, o estribilho repete-se até à exaustão. Curiosamente, fica-nos na boca o sabor amargo de se tratar não de um elogio que pretenda enaltecer as qualidades de sensatez, perseverança e espírito de sacrifício, mas apenas de uma expressão insultuosa que envergonha muitos portugueses.

Tudo isto se passa no contexto da malfadada crise financeira e económica que, tendo assolado o mundo em 2008, teima em castigar com maior severidade precisamente os “bons alunos”.

O mesmo Portugal cordato que abnegadamente ofereceu o pescoço à pata que o esmagou, já se revelara um cordado desprovido de esqueleto, quando, tendo ousado, em 1911, levar a cabo a Reforma Ortográfica da Língua Portuguesa sem consultar o Brasil, logo se prontificou a reparar o erro, convidando o “país irmão” a juntar-se-lhe na simplificação da ortografia. Prazeiroso, o Brasil aceitou o convite “tardio”, em 1915, para capitular logo em 1919. O mesmo se passou com o Acordo Ortográfico de 1945, mas desta vez decorreram dez anos até à retirada do Brasil.

E o que fez Portugal, o bom aluno? Nada!

E eis que chegou a hora de mais uma tentativa de unificação – o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990 (AO90), mais os dois Protocolos Modificativos que lhe estão associados. E Portugal decidiu tratar o Brasil com toda a deferência – não que lhe fosse devida, obviamente, mas porque somos um povo cordato, cordado, mas invertebrado. Tudo isto é sobejamente conhecido de quase toda a gente.

O que talvez tenha escapado a muitos, é que existe um instrumento jurídico internacional – a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (adiante referida por “Convenção”) – que Portugal ratificou pelo Decreto do Presidente da República n.º 46/2003 de 7 de Agosto, suportado pela Resolução da Assembleia da República n.º 67/2003, que dá conta da aprovação. A ratificação do Brasil viria a concretizar-se mais tarde, pelo Decreto do Executivo 7.030/2009, com reserva dos artigos 25 e 66.

No artigo 2.º da supramencionada RAR 67/2003, lê-se:

«(…) Nestes termos, Portugal declara que, na sua relação com qualquer outro Estado que formulou ou formule uma reserva cujo efeito seja o de não se vincular no todo ou em parte pelas disposições do artigo 66.o [Procedimento de resolução judicial, de arbitragem e de conciliação], não se considerará vinculado em relação a esse Estado nem pelas normas processuais nem pelas normas substantivas da parte V da Convenção, relativamente às quais deixam de se aplicar os procedimentos previstos no artigo 66.o em virtude da referida reserva. (…)»

No entanto, o cordato país que assim declarou continua a sentir-se vinculado ao tratado que assinou (AO90) com o Brasil, alegadamente porque devemos uma reparação que data de 1911. Não, não devemos reparação nem satisfações a ninguém pelos regulamentos de aplicação interna. Muito pelo contrário: não seremos nós credores de alguma reparação, ou pelo menos satisfação, pelas retiradas de 1919 e 1955?

A Parte V da Convenção [Nulidade, cessação da vigência e suspensão da aplicação dos tratados], referida na declaração de não vinculação de Portugal ao abrigo do artigo 2.º da RAR 67/2003, reza assim, no artigo 42.º [Validade e vigência dos tratados]:

«1 — A validade de um tratado ou do consentimento de um Estado em ficar vinculado por um tratado só pode ser contestada de acordo com a presente Convenção.

2 — A cessação da vigência de um tratado, a sua denúncia ou a retirada de uma Parte só podem ter lugar de acordo com as disposições do tratado, ou da presente Convenção. A mesma regra vale para a suspensão da aplicação de um tratado.»

Como é sabido, o Senado do Brasil suspendeu a aplicação do AO90 até ao fim do ano de 2015. Como foi? Tudo de acordo com a Convenção?

E Portugal, o que fez?

Foi cordato, como sempre. E como sempre, cordado, mas invertebrado!

Isabel Coutinho Monteiro

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Ainda estamos aqui!

2 comments

homenagemVGMDecorridos quase quatro anos desde o lançamento, a 31 de Março de 2010, do texto da Iniciativa Legislativa de Cidadãos (ILC) contra o Acordo Ortográfico e do início da recolha de assinaturas, a 8 de Abril desse ano, e apesar de toda a oposição que temos encontrado, por vezes, de “forças ocultas”, ainda estamos aqui!

Por coincidência, ou talvez não, precisamente no dia 31 de Março de 2010, Malaca Casteleiro, responsável pela redacção do AO90 por parte de Portugal, declarou à Lusa: «No prazo máximo de dois anos, todos os países da CPLP terão aplicado o novo Acordo Ortográfico.»

Como é sabido, o vaticínio de Malaca não se concretizou. Nós ainda estamos aqui!

E porque estamos nós aqui? Estamos aqui porque recusamos aceitar o atentado que o Acordo Ortográfico representa contra a nossa identidade enquanto povo soberano, o nosso património cultural, a nossa riquíssima herança histórica.

Estamos aqui porque sabemos que são muitos os portugueses que se sentem legitimamente ultrajados e traídos por um acordo celebrado à sua revelia sobre uma questão que lhes toca e lhes pertence.

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