O assunto tem andado morto — mal morto, reconheça-se — mas agora reanimou-se. A nova directora do Instituto Internacional da Língua Portuguesa, vulgo IILP, achou por bem vir garantir que o acordo ortográfico (AO) “será aplicado em todos os estados” da CPLP, admitindo, rezam as notícias, que “cada um tem um ritmo próprio”. Sobre a utilidade da coisa não falou, como era de esperar. Nem poderia. Até agora, tirando a profusão caótica de grafias que por aí vai (com acordo, sem, meio por meio, supressão de letras a eito e até colocação de consoantes onde nunca existiram), ninguém foi capaz de se chegar à ribalta linguista e afirmar, com euforia: esta era a boa solução e provou-se!
Pelo contrário. Na mesma semana em que o IILP debitava a burocracia do costume, a assembleia de delegados do Pen Clube Internacional (com 58 centros ali representados) aprovou, por unanimidade, uma nova resolução (já o havia feito antes) apelando para que as autoridades reconheçam que há “problemas significativos” na aplicação do AO, refutando o argumento de que tal acordo “conduzirá a uma simplificação da língua com benefícios no plano da educação”; e defendendo a “liberdade dos escritores e tradutores” a “escolherem a opção ortográfica mais apropriada ao seu trabalho”. O problema é que o IILP é a “autoridade”, ou uma delas, movida a pretensões políticas, enquanto o Pen se “limita” a unir um grupo de profissionais que lidam todos os dias com a língua e a escrita, enfrentando os muitos problemas que estas lhes colocam. Não poderá, nunca, ser a mesma coisa.
E unificar é preciso. É? Vejamos dois exemplos curiosos de palavras iguais grafadas de modo diferente em Portugal e no Brasil, até porque “trocam” de letra na primeira sílaba: catorze em Portugal e quatorze no Brasil (onde se lê o “u”, tal como em quatro); quotidiano em Portugal e cotidiano no Brasil. O AO unificou-os? Não. Mas vários dicionários, antes até da entorse acordista, fizeram o que deviam: incluíram as quatro formulações, indicando as que vigoram cá e lá. Se isso tivesse sido feito com as muitas palavras mudadas à força sem ter em conta os códigos vocálicos de cada país, estaríamos bem melhor. Mas preferiram criar uma escrita só “nossa”. Desnecessária e inutilmente absurda.