Facetoons posted this photo on 2015-05-17
Incongruências e obediências
Direcção Editorial
O início dos exames traz consigo problemas novos e velhos, mais do que desafios e estímulos.
————
Começaram os exames. De hoje até quinta-feira, 217 mil alunos farão provas nacionais de Português e Matemática (4.º e 6º. anos). E embora estas provas só pesem 30% na classificação final, há quem se queixe (professores e pais, sobretudo) do clima gerado pela pressão das provas.
É como se os alunos se focassem nos exames, preterindo a normal rota de aprendizagem que se lhes exigiria ao longo de todo o ano. Se passarem, respiram de alívio; se chumbarem, podem desistir ou entrar em depressão.
Anacleto estava radiante. Já lhe tinham dito lá na repartição mas ele não acreditava. No dia 13, o das aparições lá de Fátima, já podia escrever com menos letras, que alívio. Agora era lei, já não podiam gozar com ele quando escrevia “coação” e lhe perguntavam onde é que tinha comprado o coador. Só podia ser mesmo bênção dos pastorinhos. Ele tinha-se informado, sabia tudo. Até ao dia 13, havia na escrita portuguesa duas ortografias. Uma para Portugal e outra para o Brasil. Um excesso! Agora, a partir de dia 13, passa haver só duas ortografias. Reparem bem na subtileza: duas e “só duas”. Completamente diferente. As duas antigas tinham muitas palavras diferentes, e além disso eram duas. As novas também têm palavras diferentes (não exactamente as mesmas, porque é preciso variar, a escrita tem de vencer o tédio) e são “só duas”. Ora é com este “só duas” que o português vai finalmente ser aceite lá na ONU, na UE, na CEDEAO e nessas coisas todas importantes. Mesmo na colectividade lá do bairro, onde os comunicados já estavam a ser escritos em mandarim, ia passar a imperar o “só duas”. Que é uma escrita comum, como está bom de ver.
O império ortográfico
O Acordo Ortográfico é, entre nós, a última manifestação de um paroquialismo colonial que se voltou contra si próprio: não podendo aportuguesar o Brasil, vamos abrasileirar Portugal.
O chamado “Acordo Ortográfico” tornou-se obrigatório esta semana – ou talvez não, pois que tudo nesta matéria é confuso. O Brasil ou Angola são, geralmente, as razões dadas para passarmos do acto ao ato. Mas o Brasil nunca mostrou demasiado entusiasmo ou pressa em partilhar uma mesma ortografia com Portugal – a nova grafia ainda nem sequer é obrigatória por lá. Quanto a Angola, continua a pensar. A parte portuguesa andou aqui à frente. Porquê?
Para perceber o Acordo Ortográfico, não basta recuar a 1990. É preciso, pelo menos, voltar a 1961. Nesse ano, o ditador Salazar, sem consultar o país, decidiu que Portugal desenvolvera com os povos extra-europeus sujeitos à administração portuguesa uma relação tão especial, que se justificava defender essa administração contra tudo e contra todos. Em 1974, a direcção revolucionária das forças armadas, também sem consultar o país, decidiu abdicar dessa administração e abandonar territórios e populações à ditadura e à guerra civil dos chamados “movimentos de libertação”. Não renunciou, porém, ao mito da relação especial. Essa relação teve uma novo avatar enquanto “solidariedade anti-imperialista”, quando uma parte do MFA também quis ser “movimento de libertação”, para depois, em democracia, se redefinir como “comunidade de língua”.
Palavras Plenas
Má’fim tenhas, tortulho, Odeio-te, abomino-te, nego-te, Que os teus ISBN’s se apaguem, Possa a madre-língua vicejar, María Oliveira |
Todos nós sabemos que o novo director do CCB, António Lamas, se apressou a repor o AO90 nos seus serviços, sem a mínima consideração pela corajosa atitude de Vasco Graça Moura. Também sabemos que o director do CNC, Guilherme de Oliveira Martins, é um entusiasta do AO90, por incrível que possa parecer. Sei que há textos de VGM que estão a ser publicados em ‘acordês’… Enfim, tudo isto reflecte o grau de abjecção a que este desgraçado país desceu: para usar uma deliciosa expressão que ouvi em tempos a um emigrante, em Paris, “as passadas de VGM ainda estão quentes” e já se procura varrer de vez a poderosa marca da sua intervenção constante, perseverante e lúcida em defesa do Português e contra o famigerado AO90!
Mas ‘é a hora’, não podemos deixá-los manipular a opinião pública de acordo com os seus camuflados interesses…
Maria José Abranches
Lemos e ouvimos que hoje, 17 de Maio de 2015, numa iniciativa conjunta, o Centro Nacional de Cultura (CNC) e o Centro Cultural de Belém (CCB) pretendem homenagear Vasco Graça Moura, que ocupou o cargo de director do CCB até ao dia 27 de Abril de 2014, data da sua morte, tendo tomado em Fevereiro de 2012 a corajosa decisão de não cumprir o acordo ortográfico de 90 na instituição que dirigia, argumentando que o mesmo, pelo facto de Angola e Moçambique não terem ratificado o acordo, não «estava nem podia estar em vigor».
Sabemos que homenagear Vasco Graça Moura implica lembrar forçosamente a obra que nos legou enquanto poeta e tradutor, numa sincera afeição e contínua homenagem à Língua Portuguesa que não pode dissociar-se da luta veemente que desencadeou contra a barbaridade do acordo ortográfico de 90 e que desenvolveu até aos seus últimos dias. Esse seu gesto de aturada resistência e de convicta desobediência marcou-nos e influenciou-nos profunda e beneficamente e será uma uma forma de o homenagear não esquecê-lo.
Numa mensagem que me dirigiu, a 13 de Janeiro de 2013, e que ouso tornar pública, porque o momento o exige, desabafava a propósito do AO: «Eu já estou exausto de tanto tratar do assunto…»
Porque sabemos que nem CNC nem CCB estarão à altura do gesto e do sacrifício de Vasco Graça Moura e do trabalho intenso por ele desenvolvido em prol da Língua Portuguesa, caber-nos-á continuar a sua luta, que é também a nossa, e sobre a qual tantas vezes nos fez reflectir, com a mesma resistência e desobediência que lhe conhecemos. Será uma verdadeira forma de o homenagearmos.
Com sinceridade e afeição!
Maria do Carmo Vieira
«Caixa cato – Se deixa morrer todas as plantas que tem em casa, até os catos, a H&M tem a solução»
jornal online “Observador“
Nesta brevíssima intervenção, num dos serviços noticiosos da SICN do passado dia 13, Miguel Sousa Tavares chama os bois (acordistas) pelos nomes. Sem nunca os referir expressamente, é claro, mas todos nós sabemos quem são os ungulados. E o que estão a tentar fazer.
«É um dia muito deprimente, como são todos os dias em que vemos a estupidez impor pela força o que não consegue impor pela razão. Mas é também um dia de traição à pátria. Porque a nossa Língua é a nossa pátria, como explicou o Pessoa, e ao que hoje assistimos (se é que o “acordo” entra hoje em vigor ou não, completamente), ao que hoje assistimos é o abastardamento de uma Língua que trabalhámos durante oito séculos, que é instrumento de trabalho para muitos portugueses, que é meio de comunicação entre muitas comunidades portuguesas e que, pela vontade de uns quantos loucos, pela arrogância de uns quantos se impôs a todos eles.»
Miguel Sousa Tavares
Nota: a publicidade é inserida no vídeo automaticamente a partir da origem, ou seja, pelo canal de TV “SIC Notícias“.
À memória do Vasco Graça Moura
Não sei se são válidos ou não os argumentos jurídicos que discutem a data da aplicação efectiva do Acordo Ortográfico [AO], se nestes dias, ou em 2016. Isso não me interessa em particular, a não ser para registar a pressa suspeita em o aplicar contra tudo e contra todos. Mas uma coisa eu sei ao certo: é que o desprezo concreto do bem que ele pretende regular, a língua portuguesa, é evidente nessa mistura sinistra de inércia, indiferença e imposição burocrática com que se pretende obrigar os portugueses a escrever de uma forma cada vez mais abastardada.
Na sua intenção original, o Acordo pretendia ser um acto de política externa, uma forma de manter algum controlo sobre o português escrito pelo mundo todo, como forma de garantir uma réstia de influência portuguesa num conjunto de países que, cada vez mais, se afastam da centralidade portuguesa, em particular o Brasil. Se é um “acordo” é suposto que seja com alguém. No entanto, desse ponto de vista, o AO é um grande falhanço diplomático, visto que está neste momento em vigor apenas em Portugal, com promessas do Brasil e Cabo Verde, esquecimento em Moçambique, Guiné Bissau, S. Tomé e Timor-Leste, e recusa activa em Angola. Nalguns casos há protelamentos sucessivos, implementações adiadas e uma geral indiferença e má vontade. Para além disso, nenhuma implementação do AO, vagamente parecida com a pressão burocrática que tem sido feita em Portugal, existe em nenhum país, a começar por aquele que parecia ser o seu principal beneficiado, o Brasil. Ratificado ele foi, aplicado, não.
Mas com o mal ou a sorte (mais a sorte que o mal) dos outros podemos nós bem, mas ele revela o absurdo do zelo português num AO falhado e que nos isolará ainda mais. Onde os estragos serão mais significativos é em Portugal, para os portugueses, e para a sua língua. É que o Acordo Ortográfico não é matéria científica de linguistas nem, do meu ponto de vista, deve ser discutido nessa base, porque se trata de um acto cultural que não é técnico, e como acto cultural em que o Estado participa, é um acto político e as suas consequências são identitárias. Não me parece aliás que colha o historicismo habitual, como o daqueles que lembram que farmácia já se escreveu “pharmácia”, porque as circunstâncias políticas e nacionais da actualidade estão muito longe de ser comparáveis com as dos Acordos anteriores.