23-05-2002 12:27:00. Notícia nº 3690564
Temas: política, religião, timor-leste
Timor-Leste/Especial Independência: A força da igreja ou o poder de um bispo
REDIFUSÄO DO ARTIGO DO DELEGADO DA LUSA EM D-LI, ANTÓNIO SAMPAIO, QUE DEU ORIGEM AO COMUNICADO DE TERÇA-FEIRA DO BISPO DE D-LI.

Díli, 17 Mai (Lusa) - Conservadora e insulada durante décadas, a Igreja Católica timorense é a instituição mais poderosa em Timor-Leste e há timorenses que admitem mesmo que o seu carismático líder, D. Ximenes Belo, manda mais que Xanana Gusmão.

Uma força que se consolidou durante os anos da resistência à ocupação indonésia, em que a Igreja assumiu o papel de principal e, por vezes, único refúgio de uma população amedrontada, perseguida e atacada.

Depois de tantos anos de isolamento, a igreja timorense surge, ainda hoje, potencialmente como o principal pólo motriz da sociedade, capaz de mobilizar as grandes massas, de reunir os grandes movimentos e de melhor difundir a mensagem.

Adicione-se a isso as tradições patriarcais e paternalistas da sociedade timorense, e o resultado é uma comunidade de fiéis que obedece aos ensinamentos da Igreja Católica, reagindo aos comentários dos seus líderes e representantes.

Uma influência que se nota em qualquer evento que se organize em Timor, de um simples jantar a uma conferência, que começa, invariavelmente, por uma oração.

Mas também uma influência que se percebe, com todos a assumirem que, na emergente Nação, o papel da Igreja continuará a ser "muito importante", não só para ajudar a "consolidar a independência", mas até para "promover a reconciliação e a unidade nacional".

"Não podemos, tão rapidamente, ignorar o papel salutar da igreja no terreno. A sociedade timorense ainda é extremamente frágil, as instituições políticas são praticamente inexistentes e a única com solidez e que pode garantir a estabilidade é a Igreja. Seria um erro ignorar, demasiado cedo, a Igreja", enfatizou um dirigente timorense.

A herança do poder da Igreja Católica timorense começou a ser construída já na administração portuguesa, quando, na antiga colónia, o Estado Novo também fazia mostrar a sua dependência nas estruturas da igreja.

O poder e a influência católica sofreram um aumento dramático desde a invasão do território pela Indonésia, tornando- se para o povo oprimido "o refúgio material, moral e físico dos timorenses", como explica um dirigente timorense.

O facto de o próprio Estado indonésio exigir que todos os seus cidadãos professem uma religião, independentemente de qual ela for, acabou por forçar a maioria timorense, essencialmente animista, a optar pela religião católica, a mais sólida e estruturada de todas as presentes em Timor-Leste.

Dados obtidos pela Lusa sugerem que na altura da invasão indonésia, Timor-Leste tinha 264 mil pessoas baptizadas, comparativamente a cerca de 460 mil que se identificavam como animistas. Pequenas comunidades de confucionistas - cerca de 5.000 -, de protestantes - pouco mais de 2.500 - e um grupo de 98 islâmicos, completavam o cenário religioso do território.

Hoje, mais de 90 por cento dos timorenses estão baptizados.

Durante a administração portuguesa, o catolicismo e o animismo conseguiram sobreviver com relativa harmonia, em especial dada a ainda reduzida influência católica, que se estendia a pouco mais de 25 por cento da população.

As semelhanças entre o +lulik+ do animismo e o +sagrado+ do catolicismo, a veneração dos mortos e as parecenças entre o Deus Católico e o espírito animista, o Maromak, reforçavam a vivência paralela.

E, apesar de a igreja católica ter sempre tentado convencer os timorenses a deixarem as práticas animistas, a condenação não era muito firme.

Alguns timorenses admitem que o maior conservadorismo da Igreja Católica timorense surgiu com a nomeação de D. Ximenes Belo, em 1983, para o cargo de administrador apostólico de Díli, substituindo o carismático e admirado D. Martinho da Costa Lopes.

O bispado de Ximenes Belo começou da pior maneira, com a sua nomeação para o cargo - por decisão do próprio Vaticano - a deixar descontente grande parte dos párocos timorenses, que, ao contrário do que aconteceu com D. Martinho Lopes, não puderam eleger o novo bispo.

Porém, a guerra e a cada vez maior dependência da população na única estrutura sólida preparada para aceitar quem rejeitava a integração acabaram por reforçar o poder do catolicismo e a influência conservadora de D. Ximenes.

"A culpa foi da guerra, trouxe muita mudança. O povo começou a concentrar-se na religião católica", explica um chefe tradicional timorense.

Esse conservadorismo nota-se especialmente na Diocese de Díli. Dirigentes timorenses reconhecem que D. Basílio do Nascimento, responsável pela segunda diocese do território, Baucau, sempre se mostrou mais aberto ao animismo e às práticas tradicionais. Ainda que tenha claramente menos poder.

A explicação das diferenças teológicas entre os dois bispos parece advir, segundo alguns timorenses, da diferente formação de ambos.

D. Ximenes, depois de ser ordenado sacerdote em 1980, continuou os seus estudos na Universidade Gregoriana, em Roma, seguindo daí para Timor. D. Basílio do Nascimento ficou mais tempo na Europa e, como tal, "conheceu mais as reformas e as alterações na posição da igreja".

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