Desde há
um ano que Timor deixoude ser notícia no mundo, porque
deixou de haver violência. É uma boa notícia para os
timorenses. A que se deve esta situação?
É boa
notícia? Eu digo que é boa e é má. Má porque as pessoas podem
começar a esquecer mas é boa nessa optica. Porque há paz.
Deve-se a um grande esforço da UNTAET, das Forças de Segurança
e devo realçar o papel do Contingente do Sector Central,
(militares portugueses) dos mais sensiveis em questão de
violência, dos partidos, dos políticos e da sociedade civil.
Também da Igreja, claro, na mediação de confitos, atenuamento
de tensões.
Na sua opinião por quanto tempo
precisará Timor do apoio da ONU.
Em tempo não
posso dizer. Mas posso definir em efeitos, objectivo e
resultados. E isso é muito simples. Quando os timorenses
estiverem com capacidade de seguirem sozinhos.
Uma
estudante perguntou-lhe porque "hesitou" em aceitar
candidatar-se a presidente. Não gostou da palavra "hesitar",
porquê?
Todo esse processo foi muito custoso.
Tenho que explicar isto bem. Acabou a luta da resistência com
o referendo. Depois acabou o CNRT e há milhares de homens que
deram a vida por esta luta pela independência. Quando chorei,
no fim do CNRT, não foi de tristeza. Era muito importante
cortar os laços com o passado. Aqueles homens ganharam esta
guerra. Têm o direito de, agora, colher os frutos. Ter um
lugar ao sol. Mas não podia ser assim. Estes homens lutaram
como eu, mas não servem para aquilo que precisamos agora: a
construção de um País. Tive que lhes mostrar que o passado
acabou. "Fomos ontem algo".
Mostrar-lhes que agora
começa um novo capítulo?
Eu disse várias vezes,
para que os meus companheiros compreendessem: "Isto agora é um
tempo novo, são precisas novas capacidades". Se eu não fizesse
isto, se eu não explicasse que tive o meu papel, que agora é o
tempo de outros entrarem em cena, eles reinvidicavam um lugar
ao sol. Quando percebessem que não havia lugar para eles
diziam que eu só queria o poder.
Está explicado
porque razão andou sempre a dizer que não aspirava a
ser Presidente, que queria ser um cidadão
normal...
Aquele era um momento que precisava de
uma resposta. Deveríamos pensar no sistema e não nas pessoas.
É o sistema que pode garantir ao povo as suas satisfações, não
são as pessoas. Eu simplesmente respondi ao
processo.
Acredita que os timorenses perceberam
isso?
Eu acho que sim. Que perceberam.
E
sabem que podem contar consigo se
precisarem?
Claro. Também disse que nunca iria
falar em abandonar. Nunca tomaria a atitude de me desligar do
processo sabendo que estamos a atravessar um período difícil.
Mas sei que a modificação da sociedade civil para uma maior
responsabilidade tomará um papel mais efectivo.
Em
termos formais, como se candidatará, como
independente?
Não. Eu não me candidato. O que eu
fiz foi aceitar a candidatura feita pelos
partidos.
E aceitará disputar eleições mesmo que
existam outros candidatos?
Mas claro.Melhor
ainda. Nesses termos seria optimo, eu até gostaria de
perder...
No seu íntimo, perder era antecipar o
sonho, fotografar, estar com a família, tratar da
terra...
É verdade. Cumpriria o sonho, só que mais
rapidamente...
Está a angariar ajuda para os
veteranos da Resistência?
Cá em Portugal? Não. Fui
a Perth e Melbourne participar em conferências e deram-me
dinheiro. Eu dei à Associação dos Veteranos. Aqui, (em
Portugal) se por acaso receber algum dinheiro, será para esse
efeito.
Estão em dificuldades esses 18 mil
homens?
Muito estão. Não têm meios sequer para
levar os filhos à escola. São quadros da Resistência
clandestina.
Megawatti, se tivesse sido Presidente
em 1999 talvez não tivesse havido referendo. Hoje não vê nela
quaisquer riscos para Timor?
Nós fomos lá (a
Jacarta) mesmo a calhar com o ataque terrorista a Nova Iorque
e foi muito cordial. Aliás, a 17 de Agosto, Dia Nacional da
Indonésia ela expressou que o caso de Timor era diferente e
que o Governo indonésio reconhece o processo, apoia a
construção da Nação de Timor.
O poder dos generais
que "comandaram" a ocupação de Timor é ainda um risco? Já
estão afastados do poder político?
Não todos. Mas
penso que o TNI, as Forças Armadas indonésias viraram para uma
nova doutrina, embora possa ainda haver alguns elementos
descontentes. Ficou um sentimento de tristeza, de frustração
mas incapazes de contrariar um processo, lento, de mudar a sua
doutrina.
Em Fevereiro de 1999 estive consigo em
Jacarta, quando recebeu os líderes políticos pró-integração,
Domingos Soares, João Tavares, Hermínio da Silva, e outros.
Todos vocês choraram e deram abraços em promessas de
reconciliação. Ao mesmo tempo eles armaram as milícias. Já
falou com eles recentemente sobre esses tempos?
Sim. Encontrámo-nos em Bali. Juntaram-se numa
organização, a Untas. verificámos que o processo de
reconciliação e regresso dos refugiados não estava a andar bem
com eles. Estamos a ter contactos com os comandantes de
milícias. Esse processo sim está a ter êxito, estão a vir em
grandes grupos.
Esses líderes políticos não querem
voltar a Timor?
Muitos deles querem. Mas existem
muitas diferenças entre eles e não conseguem responder de
forma consensual a todas as condições inerentes ao
processo.
Que pensa da Igreja ter impedido que
Filomeno Jacob fosse ministro?
Aí não faço nenhum
comentário. Não tenho o direito de me imiscuir nas regras da
própria Igreja.
Mas a Igreja ainda tem um papel
importante em Timor a nível político?
Sim, a nível
político e em termos pedagógicos, para apoiar a mudança de
mentalidades, a mudança de consciências, porque este processo
necessita que os timorenses ganhem nova percepção dos
problemas.
O processo de construção democrática em
Timor pressupõe uma separação de poderes entre Política e
Igreja?
A Igreja definiu isso com
clareza.
Como se vê, ainda
interfere...
Não, não penso que interfira. Actua ao
nível da sociedade civil. Se interferir... bem, eu tenho a
minha opinião pessoal e em democracia defende-se a liberdade
de expressão, em termos de tolerância, respeito pelas
instituições.
NÃO CREIO QUE O POVO INDONÉSIO SEJA
VIOLENTO
Já disse que é contra os
bombardeamentos no Afeganistão. Defende-o por princípio...
É por princípio, de quem passou por uma guerra. Eu não
sou contra a acção tomada pelos americanos, eu disse apenas
que testemunhei muito sofrimento. Tenho os meus ideais.
Preferia qualquer solução que não a guerra.
Quando
estava no mato sofreu com bombardeamentos...
Ainda
no mato, durante a guerra ouviamos muito falar da nova ordem
mundial, os dois blocos mundiais. Assistimos ao colapso do
bloco socialista e pensámos que se prosseguíssemos a luta e
adquiríssemos a paz poderiamos estar integrados nesta ordem
mundial. Só que esta nova ordem não apareceu. Antes de acabar
a guerra em Timor apareceu um outro slogan, a
globalização. E, hoje, o esforço de construir a paz com os
vizinhos, sinto que não existe essa ordem mundial. Ou pelo
menos é muito diferente daquilo que
almejávamos.
Timor está a nascer num mundo
diferente. Pior ou melhor?
Não sei, mas é muito
diferente. É um mundo de receios. Um mundo em que cada um
desconfia do outro, tem medo de sair.
Refere-se ao
terrorismo?
Agora estou em Portugal. Vou para Macau
e dali para Timor. Sei que se a rede terrorista mundial
estiver implantada nesse itinerário não serei eu o alvo. serão
certamente outros, mas eu estava ali e morri por uma estupidez
de coincidências. Eu apoio todos os esforços contra a rede de
terroristas.
Xanana conhece bem alguns líderes
islâmicos indonésios. Parece-lhe que há algum perigo de uma
reacção negativa contra os bombardeamentos?
Não é
essa a posição dos líderes religiosos muçulmanos, nem é a
posição do Governo de Jakarta.
Os movimentos
islâmicos indonésios são moderados?
Eu creio que,
na sua essência são. Existem facções radicais. No processo de
Ambon também havia um movimento jihad. Quando estive em
Jakarta a 30 de Setembro, havia um grupo de contestação, que
depois se tornou maior. Mas não creio que o povo indonésio
tenha um cariz violento, de defender o
terrorismo.