A
diplomacia indonésia colocou debaixo do tapete os 24 anos de
ocupação de Timor-Leste. "É história, faz parte do passado",
diz o embaixador indonésio em Lisboa, Harry Haryono. A
invasão, de 1975, foi resultado de "uma situação política
internacional específica do momento". Porque a Indonésia
"nunca reclamou Timor", afirma. Agora, o que interessa é o
futuro
Há dois anos ninguém imaginava
que as relações entre Indonésia, Timor e Portugal pudessem
agora ser tão fraternas. Como explica essa
evolução?
Os problemas que tivemos com Timor são
história. Tudo mudou. Hoje preocupamo-nos em organizar
seminários, encontros, realizações que aproximem os povos.
Portugal ainda pensa muito nos 24 anos de ocupação indonésia.
Mas já é passado.
Tem noção que, em Portugal, nesses
24 anos, as pessoas só recebiam más notícias dos
indonésios...
Sim, percebemos isso. Queremos mudar
essa percepção. A Indonésia também mudou e agora Timor vai ser
um Estado independente. Timor esteve connosco durante 24 anos,
somos o vizinho mais próximo, podemos fazer muito para ajudar
a desenvolver o país, e por isso estamos satisfeitos com o
caminho que está a ser seguido.
Ainda há pequenos
problemas para resolver com a
Indonésia...
Problemas sempre existem. Entre
Estados e dentro deles.
Um deles, talvez o maior, é
o dos refugiados, que, no entanto, teve uma importante
evolução nos últimos meses. Como aconteceu?
Desde o
início que defendíamos que a comunidade internacional deveria
ajudar-nos a resolver este problema. Várias organizações
apoiaram o regresso dos refugiados, mas nós nunca abandonámos
esse esforço. Nunca quisemos forçar as pessoas a voltar a
Timor. Demos sempre a possibilidade de ficarem, se assim o
desejassem. Mas, nesse caso, esclarecemos que tínhamos de os
deslocar para outras ilhas com melhores condições. Houve uma
acção concertada que permitiu o regresso de cerca de 200 mil
pessoas.
Mas ainda estão 40
mil?
Pretendemos resolver este problema de vez em
breve. Não nos interessa ter aquela situação, e também não é
justo que existam pessoas a viver em campos de refugiados. Não
é forma de vida.
Ainda não sabe se a Presidente
Megawati vai estar presente na cerimónia de independência em
Timor dia 20 de Maio?
Esta pergunta já me foi
colocada há seis meses, e eu tinha a mesma resposta que tenho
hoje: se o convite for feito pelas Nações Unidas, tenho a
certeza que a Presidente Megawati considerará essa
possibilidade. A viagem de Jacarta a Timor não é
longa...
Em sua opinião, o povo indonésio apreciará
esse gesto ou pode criticar a Presidente?
Penso que
pouca gente na Indonésia condenará esse acto ou o
desenvolvimento das relações entre a Indonésia e Timor, ou
Portugal. As pessoas estão convencidas de que tudo mudou e que
é preciso ter uma visão de futuro.
Os indonésios
perderam o interesse em Timor?
Claro, nós já temos
problemas que nos cheguem no nosso país. Problemas económicos,
integridade nacional, desemprego, tudo assuntos que interessam
mais que Timor para os indonésios.
A realidade de
hoje prova que Timor não deveria ser
indonésio...
No princípio, a Indonésia não
reclamava Timor-Leste. O que aconteceu prende-se com uma
situação política internacional específica do momento. É
história.
Situação complicada a da língua em Timor,
o português, inglês, o
bahasa...
Não penso que seja
um problema para Timor. Aconteceu o mesmo na Indonésia. Eram
muito poucas as pessoas que falavam holandês na
independência.
Que pensa da decisão de ter uma
língua oficial, o português, e duas línguas de trabalho, o
indonésio e o inglês?
A decisão é deles. A
realidade é que a maioria das pessoas falam o indonésio muito
bem. Não falam bem o inglês e os novos não falam
português.
VAI SER DIFÍCIL SUBSTITUIR DIPLOMATA ANA
GOMES
Decorre em Jacarta julgamento de 18
personalidades envolvidas nos crimes contra direitos humanos
em Timor-Leste em 1999. O ministro da Defesa assistiu às
sessões. Analistas interpretam que é uma forma de pressão
sobre os juízes. Qual é a suainterpretação?
Os analistas vêem sempre as
coisas nesse sentido... Actualmente, na Indonésia, verifica-se
um processo de democratização. Hoje, podemos dizer que os
tribunais são um poder independente. Um poder diferente do
parlamento, do Governo. Sem interferência.
Repito a
pergunta. Como interpreta a presença do ministro nas
sessões?
Todos os tribunais estão abertos ao
público. Qualquer pessoa pode entrar e
assistir...
Um ministro a assistir a um julgamento
não é vulgar. O seu gesto tem um significado político
ou não?
Qualquer pessoa pode entrar no tribunal e
mostrar a sua solidariedade, o seu apoio. Nada disto
influencia a decisão dos juízes. Que podem fazer os generais
ao tribunal? Nada!
No contexto de um processo de
democratização, é importante para a imagem da Indonésia na
cena internacional que este seja um julgamento
justo?
É muito importante que seja um julgamento
justo. Um julgamento que não seja credível não é bom para
ninguém. É importante que se perceba que deve haver um sentido
de compreensão, a capacidade de perdoar o outro. O ser humano
comete erros, e podemos perdoar. Isso não significa que não
haja um julgamento justo. Cometeram-se muitos erros. Até
Portugal os cometeu.
Ainda sobre justiça. Na
Indonésia está na actualidade política o problema da
corrupção. Nestes julgamentos está em causa a reputação da
Indonésia?
Tentamos que seja feita justiça. Não é
fácil este processo, mas pelo menos temos a vontade, e fazemos
todos os esforços para que a situação melhore.
Entre
o regime de Suharto, e o Governo actual, decorreu um processo
de democratização. Como diria que é a situação hoje, há uma
democracia plena, ainda se está no início do
caminho?
Diria que ainda estamos a meio do
processo. Mas a nossa democracia deve ser vista de uma forma
diferente do conceito que se entende nos países ocidentais.
Nós temos as nossas particularidades, cultura diferente,
outras formas de pensar. Teremos a nossa própria democracia. O
importante é que estamos já a percorrer esse caminho. Temos um
parlamento com plenos poderes. No passado o parlamento não
tinha poderes. Estamos a desenvolver relações mais
equilibradas com as várias regiões, ao nível da distribuição
dos recursos.
Os movimentos independentistas, como
em Aceh, refrearam as suas reivindicações com este novo
processo de democratização?
Tudo isso acalmou com
as novas políticas. Agora estamos concentrados noutras
questões, nomeadamente as económicas, se bem que já há sinais
de retoma na economia indonésia. Em 1997 batemos no fundo, com
uma inflação altíssima e a moeda desvalorizada. Hoje podemos
dizer que já não há fome no nosso país.
Quantos
indonésios há em Portugal?
Somos muito poucos.
Tirando o pessoal da embaixada e seus familiares, há alguns
indonésios casados com cidadãos estrangeiros que vivem em
Portugal. Somos talvez 40 pessoas. É muito pouco. Mas na
Indonésia há muitos portugueses, conheço alguns muito bem
colocados em grandes empresas.
Embaixadora em
Jacarta, Ana Gomes, deve abandonar o cargo este ano. Quer
comentar?
O que posso dizer é que vai ser muito
difícil para o Governo português encontrar uma pessoa com a
capacidade da embaixadora Ana Gomes. É uma pessoa com
responsabilidades muito importantes em muitos dos progressos
verificados na evolução das relações entre Portugal e a
Indonésia e nas matérias que dizem respeito a
Timor-Leste.