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Soldados portugueses em Timor, no princípio
deste ano: uma missão que passará a custar cara a Portugal, se
a ONU decidir diminuir o empenhamento no território
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QUANDO
Jorge Sampaio esteve em Nova Iorque, na semana passada, na
conferência da ONU sobre a sida, não só teve os habituais encontros
bilaterais com o secretário-geral Kofi Annan, como jantou com
funcionários superiores do gabinete de Annan. O objectivo deste
encontro, tão pouco habitual, foi definir uma estratégia comum para
derrotar qualquer tentativa dos Estados Unidos, da Grã-Bretanha ou
da França para limitarem o empenhamento militar ou civil em
Timor-Leste, antes de o futuro país poder andar pelos seus próprios
pés.
O EXPRESSO soube que tem havido discussões entre o
Departamento de Estado norte-americano, o Pentágono e o Conselho de
Segurança Nacional, com a administração Bush a avaliar se deve
exigir que qualquer compromisso internacional para com Díli, após a
independência, deva ter como base contribuições voluntárias, pagas
pelos Estados-membros interessados - como a Austrália e Portugal -
em vez de continuar a ser um programa da ONU pago por todos os
Estados-membros. Essa estratégia concordaria com a pretensão da
equipa de Bush de reduzir os compromissos externos dos Estados
Unidos e limitar os custos operacionais da ONU. Mas iria impor
severas exigências financeiras a Portugal, numa altura em que o
orçamento do Estado já está muito solicitado.
Falando anonimamente, os funcionários de Bush dizem
que os aspectos civis de qualquer operação da ONU «devem
ser restringidos à garantia de apoio do Congresso. Devem ser
encarados como pequenos adicionais ao elemento militar. O Congresso
não acha que devamos entrar no negócio de construir países».
A próxima batalha
John Miller, porta-voz da Rede de Acção para
Timor-Leste, com sede nos EUA, discorda dessa avaliação. «Ainda há muito apoio para Timor-Leste no Congresso e
duvido seriamente que o Congresso objectasse ao pagamento de
qualquer apoio ao país, após a sua independência», disse
ele.
«Mas não me surpreende que a equipa de Bush queira
cortar o programa, só que estão a usar uma má desculpa»,
acrescentou. «O nosso entendimento é que, no final, a administração
se irá revelar flexível e concordar na continuação de uma componente
civil para a operação da ONU a ser financiada pelas contribuições de
todos os membros da ONU», rematou o porta-voz.
Mas a verdade é que os britânicos também deixaram
claro o seu desejo de reduzir o custo da operação. Na última reunião
do Conselho de Segurança para Timor-Leste, a 18 de Maio, o
embaixador britânico, Sir Jeremy Greenstock, exigiu que a ONU seja
«consciente dos custos» relativamente a Timor-Leste
e «melhore a sua gestão orçamental, particularmente a
falta de progresso na recuperação de custos - ou seja, tarifas de
electricidade e água, registo de veículos e taxas
aeroportuárias».
Têm sido os franceses, contudo, os mais cépticos
quanto ao prosseguimento de uma grande operação civil em Timor.
Acham que o dinheiro poderia ser mais útil para operações em locais
mais estrategicamente vitais, como o Congo.
Foi com este pano de fundo que o jantar de Sampaio
decorreu na residência oficial do embaixador de Portugal na ONU,
Francisco Seixas da Costa, que disse ao EXPRESSO que prevê «uma próxima batalha no Conselho de Segurança». Segundo
disse, «Portugal está preocupado com a tentativa de alguns países
para reduzirem fortemente as forças em Timor-Leste».
Reunião concorrida
No encontro, estiveram presentes a
secretária-geral-adjunta, Louise Frechette, que esteve toda a semana
em Timor; Iqbal Riza, chefe de gabinete de Kofi Annan; Sir Kieran
Prendergast, subsecretário-geral para os Assuntos Políticos;
Jean-Marie Guéhenno, subsecretário-geral para as Operações de
Manutenção de Paz; e Mark Malloch Brown, o administrador do Programa
de Desenvolvimento da ONU.
Igualmente presente esteve o presidente da Assembleia
Geral da ONU, o antigo primeiro-ministro finlandês, Harri Holkeri; o
embaixador sueco, representando a presidência da UE e o embaixador
de Portugal em Washington.
História de sucesso?
Os funcionários superiores da ONU concordam com a
posição portuguesa. «Fazer nascer um país é um processo
que requer paciência e ternura», disse um deles ao EXPRESSO. «Não podemos meramente sair depois da independência, pois
as milícias veriam isso como um sinal, uma luz verde para retomarem
os ataques. Toda a gente nesse jantar concordou que Timor-Leste
ainda não tem uma base forte de sobrevivência e que vai precisar de
um forte apoio da comunidade internacional, durante algum
tempo».
Sem ser referido, existe a sensação de que Timor-Leste
pode vir a ser considerado como uma «história de sucesso» da ONU, e
a organização teve muito poucas nos últimos anos. «Kosovo, Timor-Leste - parece muito possível que, nos
próximos anos, a ONU seja chamada a efectuar mais trabalhos destes
como governo de transição», prosseguiu o mesmo funcionário. «Seria excelente fazer isso tendo por detrás uma
experiência bem sucedida em Timor».