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07-05-2002 13:03:00 GMT
. Notícia 3624280 Temas: cultura, timor-leste Timor-Leste/Independência: Português sim,
mas devagarinho
Por Fernando Peixeiro (texto) e Tiago Petinga
(fotos), da Agência Lusa Ermera, Timor-Leste, 07 Mai (Lusa) - Na estrada
que liga Aileu e Maubisse, nas montanhas de Timor-Leste, uma criança
empoleirada num tronco reponde com um claro "Adeus, e boa viagem" ao "Boa
tarde". O português está a ser ensinado por toda a parte, mas muito, muito
devagar.
As crianças timorenses estão agora a ter o primeiro
contacto com a língua portuguesa, num esforço reconhecido de professores
chegados de Portugal e recrutados no território, mas falam a língua apenas
nas aulas.
"O mal é que só falam português nas nossas aulas, em
casa falam tétum e na escola, no recreio, indonésio ou tétum". Carlos
Canatário, alentejano, ensina português em Ermera e justifica as opções
dos jovens com o facto de ter sido o indonésio e o tétum as únicas línguas
que aprenderam.
"Mas têm vontade de aprender, não senti
desmotivação, até porque trouxemos novos métodos de ensino, com livros,
filmes, até música", o que acaba por compensar a crónica falta de
material, afirma.
José de Jesus Lima, timorense, 45 anos, casado,
dez filhos, ensina português em Lodudo, igualmente no distrito de Ermera.
E também ele se queixa da falta de material, aliás bem visível na escola
de 283 alunos e nenhum livro nas carteiras.
"Se houver livros os
professores aprendem e eles (os alunos) também. Faltam gramáticas, faltam
tabuadas, faltam livros para as várias classes. Escrever ali (quadro) não
chega para as crianças".
E depois continua: "Os indonésios entraram
cá e lixaram- nos todos os livros portugueses das escolas, e em 1999 os
que tinham sobrado foram também queimados".
Começou a ensinar em
1972 em Quelicai, distrito de Baucau. Em 1975, devido à invasão, fugiu
para as montanhas, voltou depois para aprender indonésio, acabando por
abraçar de novo a sua profissão, numa nova língua, que exerceu até
1999.
"A língua indonésia era boa para ensinar. O português exige
mais, mas para mim foi fácil voltar. A língua portuguesa é a nossa língua
própria. A independência é para nós todos falarmos a língua
portuguesa".
José Lima diz que prefere ensinar português, diz que
as crianças gostam, mas nota-se dificuldades. Parece não saber que não
está a ensinar correctamente muitas palavras, nomeadamente ao nível da
acentuação. Apesar de ter frequentado em Laga (leste de Baucau) um curso
de português para professores.
A ajudar estes timorenses estão
cerca de 150 professores portugueses. Carlos Canatário está satisfeito com
os resultados obtidos até agora, nos seus 18 meses de Timor-Leste, e diz
que alguns alunos "já conseguem perceber minimamente e outros até muito
bem" a nova língua.
São estes jovens o maior problema, porque as
pessoas que têm hoje 40/50 anos "todas falam o português", afirma Carlos
Canatário, embora na verdade muitos timorenses dessa idade desconheçam a
língua.
A língua portuguesa, mesmo antes da revolução de Abril de
1974 e da consequente invasão indonésia, era uma "língua de elite",
segundo João Felgueiras, padre em Lahane, um bairro de Díli.
João
Felgueiras e mais dois outros padres conseguiram a proeza de ensinar
português na capital timorense durante 13 anos, autenticamente nas barbas
dos indonésios, que por acaso até tinham proibido o ensino da
língua.
No Externato de S. José, entre 1978 e 1981, 300 alunos
aprenderam a língua portuguesa. Os indonésios julgavam que se ensinava o
seu currículo. Ainda hoje João Felgueiras não sabe como foi
possível.
Em 1991, com o massacre de Santa Cruz, as autoridades
indonésias aperceberam-se que o Externato fomentava o "sentimento
nacionalista", que era o "emblema da resistência", e cortaram o mal pela
raiz. O Externato de S. José foi dinamitado.
Por lá tinham passado
nomes como o actual e o anterior ministros da Saúde de Timor-Leste, o
ministro da Educação, por lá representou-se Gil Vicente.
Pelas
dificuldades que passou no ensino do português, João Felgueiras acha agora
que tudo será mais fácil.
Antes de 1974 não havia pressão para
divulgar o português, como há agora, e a língua estava a expandir-se, por
isso "é impossível, impensável" que possa vir a desaparecer.
"A
língua avançará irreversivelmente, agora crescerá cada vez mais
rapidamente. Está enraizada aqui como o capim", afiança João
Felgueiras.
Optimismo? Muito mais do que o manifestado recentemente
por uma jornalista, ao dar conta de que a maior parte dos professores
portugueses em Timor-Leste são originários do norte do país. "Não tarda
nada temos os timorenses a atender o telefone e a dizer
'tôue'".
Lusa/fim
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