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Jornalistas & Escriturários
Por HELENA MATOS
Sábado, 19 de Maio de 2001

Ser jornalista está na moda. São séries televisivas que os têm por protagonistas. São os inquéritos à população a revelarem que se acredita mais nos jornalistas do que nos políticos. E, sinal absolutamente inequívoco do sucesso de qualquer profissão, inúmeras participantes em concursos de beleza declaram, de há alguns anos para cá, quererem ser jornalistas. Claro que não vamos acreditar que o dizem apenas porque o som palatal inicial da palavra jornalista lhes permite fazer boquinhas sensuais. Dizem-no, porque a resposta não só é politicamente correcta (imagine-se o que seria se as raparigas respondessem que queriam ser mulheres a dias ou bandarilheiras! Das bandarilheiras não sei nada, mas tenho a certeza que muitas mulheres a dias ganham mais do que muitos jornalistas), e também porque, pelo menos a avaliar pelas imagens estereotipadas da dita profissão, esta sempre lhes permitirá alternar o vestuário desportivo indispensável naquele trepidante frenesi do dia-a-dia com uns não menos trepidantes vestidos de alcinhas, peça de vestuário imprescindível, de Janeiro a Dezembro, nos jantares com colegas e, claro, com as fontes.

Nestas visões romantizadas do jornalismo, as redacções são locais onde a líbido circula no ar. Aliás, tudo é paixão nestes espaços: fuma-se desalmadamente, ama-se e desama-se ao ritmo dos telexes e há sempre um chefe de redacção ou director que grita e gesticula qual alma danada, mas que no momento da verdade, ou seja, aquele em que o jovem jornalista descobre um importantíssimo caso de corrupção que quer denunciar, se põe do lado do Bem, contra tudo e contra todos. O todos aqui traduz-se por administração (um dos administradores é primo da cunhada do corrupto), e o tudo é sinónimo de produção, ou seja, aquelas ensimesmadas criaturas que dizem que não se pode esperar mais pelas notícias, mesmo que a notícia em causa seja o anúncio do casamento do Papa. E é nesse momento que o insuportável director ou o não menos insuportável chefe de redacção se redime. Com o olhar fixo algures no infinito da sua própria vida, diz para o jovem jornalista: "Avança!" E este avança, claro. A história publica-se. O jornal sobe as tiragens. E por fim depois de muitos abraços (até ao referido administrador e ao responsável da produção) e do inevitável grande plano sobre a noite da cidade, depois ainda de muitas velas terem ardido para alumiar jantares (eu sei que isso não é para aqui chamado, mas a presente fixação nacional nas velas ou é obra de alguma quinta coluna que tem por fim sabotar a EDP, ou resulta dalgum trauma que nos ficou do Santo Ofício. Esperemos só não passar das velas para os tormentos!), os jornalistas emparelham finalmente nas camas onde estavam predestinados a juntar-se desde o início da história.

A realidade, claro, é bem diferente. A realidade, em Portugal, são aproximadamente cinco mil pessoas com a carteira profissional em dia, algumas sem carteira e a esmagadora maioria a trabalhar em locais que pouco ou nada têm a ver com as redacções dos filmes e, o que para o caso realmente interessa, pouco ou nada têm a ver com jornalismo. Há jornalistas que mais não fazem do que adaptar à realidade nacional os artigos comprados em agências e que, mudando uma referência aqui e outra acolá, são publicados dum extremo ao outro do mundo. Outros produzem textos por encomenda das direcções comerciais. Outros ainda, no afã da cacha e muito frequentemente sem perceberem ou assumirem que servem interesses políticos e económicos, assinam peças não fundamentadas nem devidamente confirmadas. Outros assobiam para o lado, quando chega a hora de fazerem de conta que a vida "na casa" é matéria de notícia...

Pode argumentar-se que sempre houve bons e maus jornalistas. Bom e mau jornalismo. Até há situações que se repetem. Por exemplo, a actual concentração dos órgãos de comunicação em dois grandes grupos económicos não é inédita em Portugal, basta olhar para os anos 20. Esses mesmos, os do agonizar da I República! Apesar de tudo, há sempre algo que nos deixa sem palavras. Como o telefonema que recebi duma jovem jornalista. Conheço-a há alguns anos. Ela nunca trabalhou numa redacção no sentido clássico do termo. Primeiro mourejou mais de 12 horas por dia produzindo textos sobre textos para publicações indistintas num grupo supostamente jovem que um dia cresceu e se transformou em SGPS para em seguida, qual bola de sabão, se desfazer sem mais nem porquê. Nessa altura já ela tinha saltado do barco e, contentíssima, dava-me conta das maravilhas da nova economia. Agora era produtora de conteúdos. Continuava a trabalhar dias a fio, escrevendo textos ainda mais anónimos do que anteriormente. As minhas prosaicas perguntas - "Quem são os vossos leitores?" "Que vantagem têm em ler 'on-line' uma informação que nada acrescenta à que têm em papel?"- ficavam sem resposta. Mas, na infalibilidade de que então se revestia o mundo dos conteúdos, creio que as minhas questões não lhe causaram qualquer sobressalto e talvez só lhe tenham acudido à lembrança, quando agora o dito portal anunciou que a vai despedir. Contudo, apesar de dolorosos, os despedimentos não surpreendem ninguém, nem são nada de novo. O que também não é novo - antes, pensava eu, era tão-só uma lembrança dum passado definitivamente enterrado - foi o que ouvi a seguir: "Nem posso meter o Sindicato dos Jornalistas nisto. O meu contrato de trabalho não é como jornalista. É como escriturária."

Por amarga ironia, poucas vezes uma classificação profissional terá sido tão adequada às funções desempenhadas: "Escriturário - Escrevente. Empregado inferior da fazenda." Topo de Página

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