Pesquisar:   
Arquivo VISÃO
  A sua Homepage   Envie por E-Mail  Imprimir  Terça, 19 Junho 2001 
COMENTÁRIO DIÁRIO
Rosa Ruela
Filipe Luís
PÁGINA INICIAL
SONDAGENS
Intenções de voto
Jaime Gama na maior
DEBATES
NEWSLETTER
NEWS ALERT
FALE CONNOSCO
FOTO DA SEMANA
FOTO-REPORTAGEM
REGISTO
QUEM SOMOS
Termo de Responsabilidade
 
  Especial VISÃO  
  

Leia mais

Economia: a riqueza que vem do mar

Falintil: Corte de cabelo

Entrevista a Xanana Gusmão: Eleições são virar da página

Reportagem

Para onde vai Timor

Timor-Leste prepara-se para eleger uma assembleia constituinte sem saber o que é uma Constituição. Os partidos estão baralhados e Xanana Gusmão desdobra-se em explicações para provar que ainda não é hora de votar nele. A situação é tensa e os incidentes violentos tiveram manipulação política. E a fronteira está longe de ser estável. Timor vive «um virar de página», como afirma Xanana em entrevista à VISÃO

Henrique Botequilha, enviado especial / VISÃO nº 430    7 Jun. 2001

Reina uma grande confusão entre a maioria dos participantes numa reunião realizada na sede da administração do distrito de Baucau. À volta da mesa, num enorme salão de um antigo edifício público indonésio que escapou à destruição, estão Marito Reis, 55 anos, administrador do distrito, o vice-administrador, um sueco de porte imponente que contrasta com o seu superior timorense, militares da força de paz da ONU, polícias internacionais, representantes das forças políticas e «frustrados da situação». A classificação é de Marito Reis, referindo-se àqueles que, «após uma luta armada, pensam ter direito a um cargo e se sentem marginalizados porque não há cadeiras para todos». Na reunião, está também L7, um ex-membro das Falintil. Ninguém sabe o seu nome verdadeiro. Chegou mais tarde e vem fardado com o camuflado e bóina da guerrilha. E não abrirá a boca durante o encontro.

Primeira dúvida: para que serve uma Constituição? O pessoal internacional explica, vagamente, que se trata de uma lei fundamental, e que todas as outras leis irão nascer a partir dela. A resposta não satisfaz a audiência e um dos representantes do povo endurece o discurso: «Timor não precisa de uma Constituição para nada, precisamos é de leis», defende, de forma exuberante.

Outro dirá que já que existe um Conselho Nacional, este que faça a Constituição: «Para quê eleições e confusão?» As justificações são demoradas. Tanto os administradores de distrito, como os soldados e polícias internacionais tentam explicar pacientemente como funciona o processo: eleições em 30 de Agosto, para um parlamento de 88 pessoas, legitimadas para desenhar e aprovar uma Constituição até ao fim do ano, abrindo caminho à independência no fim do ano ou início de 2002. As leis virão com o futuro parlamento.

As dúvidas dos líderes continuam entretanto a desfilar sobre a mesa e reflectem as interrogações da população: «As pessoas não sabem... não sabem nada», desaba João de Deus Batista, chefe da comissão de acompanhamento da Situação Política do CNRT, em Baucau. «Se a UNTAET, CNRT e a Igreja não forem ao terreno ninguém vai perceber nada.» Há alguém mandatado para colocar uma simples pergunta: «Um velho de pé estragado, olho estragado, como é que vota? E as pessoas das aldeias onde não se passa de carro nem a cavalo?». Esta, porém, era fácil: «A UNTAET tem veículos e helicópteros para fazer face a esses casos», esclarece o pessoal internacional.

Terminada a reunião, dispersados os participantes, João Fernandes, 37 anos, um timorense de Díli, sem funções políticas nem representativas, que o acaso levara ao local, saiu dali com a mesma certeza com que havia entrado: «As eleições são para votar em Xanana para Presidente.»

"A presidência é dele"

Mas Xanana Gusmão continua a dizer não à presidência de Timor-Leste, embora as eleições constituintes que se avizinham não tenham nada a ver com a presidência. O ex-líder do Conselho Nacional da Resistência Timorense (CNRT), a coligação dos partidos de resistência que vai ser extinta em 9 deste mês de Junho, não tem dúvidas e afirma à VISÃO: «É hora de dar uma oportunidade a outro. Foi isso que fizemos quando ficámos reduzidos a 400 guerrilheiros, durante a invasão indonésia, e é isso que temos de continuar a fazer para não perder capacidade de dinâmica e de progredir.» Mas Xanana é a única pessoa que acha que não vai ser Presidente da República. De resto, ninguém acredita, começar pela elite política timorense e anterior hierarquia do CNRT, cujos dois ex-vice-presidentes não levam a sério os desejos do seu líder e continuam a apontá-lo para os comandos do novo país. «Ele não tem outra solução senão aceitar a presidência e julgo que fará essa declaração muito em breve», adianta Ramos-Horta. «Só por milagre entrarei num executivo que não tenha Xanana à frente», frisa por sua vez Mário Carrascalão.

Com o fim do CNRT, iniciou-se a política partidária e a maioria dos 13 movimentos políticos que se estão a registar para as eleições Constituintes, marcadas para 30 de Agosto, diz que o seu preferido para ocupar a presidência é Xanana Gusmão, incluindo a poderosa Fretilin. «Não tenho dúvidas, é o nosso candidato», anuncia Mari Alkatiri, vice-coordenador deste partido histórico.

E aqueles que lamentaram e criticaram a demissão de Xanana do Conselho Nacional entendem agora que essa foi a decisão certa. «Ele era um subalterno da administração da ONU naquele Conselho sem qualquer poder. O seu papel é outro», diz Mário Carrascalão, referindo-se aos poucos poderes da assembleia timorense, criada pela UNTAET, cujas deliberações não são vinculativas. «Estou de acordo que o Conselho Nacional não é o seu lugar», adianta Ramos-Horta, que chegou a ser candidato para substituir Xanana e que acabou por retirar a sua candidatura em favor de Manuel Carrascalão.

Longe do complexo nó que é a política timorense, a população continua a elevar Xanana à condição de herói da libertação. Em Díli e em qualquer localidade do território, mantêm-se as frases de apoio nas paredes e não se vê nenhuma contra. Dentro das casas, é frequente encontrar-se, ao lado de um quadro com uma cena religiosa, um retrato do líder da Resistência, vestido com o seu tradicional camuflado ou, na versão moderna, de fato e gravata.

Numa altura em que os timorenses se preparam para eleger os 88 deputados da futura Assembleia Constituinte, muitos estão convencidos que chegou a hora de votar em Xanana. «Alguns até dizem que se a cara dele não aparecer no boletim de voto, nem vão votar», revela o administrador apostólico de Baucau, D. Basílio do Nascimento.

A ignorância da população sobre o processo democrático que se avizinha não deverá ser menosprezada pela UNTAET e pela liderança timorense. Segundo uma sondagem realizada no final de Março pela Asia Foundation, apenas 5% dos 1 600 inquiridos sabem qual a razão das próximas eleições e somente 30% conhecem a data do sufrágio. Trinta e sete por cento desconhecem o que é a democracia e ninguém citou as eleições como uma situação importante do processo democrático.

Não há mães solteiras

A falta de esclarecimento da população relegou outra dúvida importante para segundo plano: conseguirá a UNTAET registar toda a gente a tempo das eleições? Até finais de Maio, ainda só estava registada metade das pessoas, num processo que se destina não só ao censo da população como ao recenseamento eleitoral, e que terá de ficar concluído até 20 de Junho.

Há um mês, nos postos distribuídos pelos 13 distritos do território reinava, apesar de tudo, a tranquilidade. Em Same, no sul do país, Gary Echerer, 55 anos, um americano da Florida que se ofereceu como voluntário para Timor a fim de «pagar a vida confortável» que tem tido, confia que o processo irá correr bem e que no próximo dia 20 toda a gente estará devidamente inscrita nos cadernos eleitorais. «Sinto que, aqui, um homem da minha idade tem mais motivos para votar do que eu. Para mim, é fácil: Gore ou Bush? Não há grande entusiasmo, pois não? Aqui, o voto faz a diferença.»

É isso que procura explicar aos milhares de timorenses que têm de se deslocar à sede do distrito de Manufahi a fim de se registarem. Chegam dos pontos mais remotos da montanha, depois de andarem um dia inteiro a pé para cumprir o seu objectivo. No posto, poderão ver um filme sobre a utilidade do voto e para que serve a Constituição, mas, em Same, ninguém estava em frente da televisão. À saída, é oferecida uma brochura, em tétum, bahasa e português (cheio de erros) com informação elementar sobre as eleições. Só que 34% dos timorenses não sabem ler.

Os funcionários da UNTAET, esforçam-se para fazer o seu trabalho depressa e bem, mas são múltiplos os problemas que têm de enfrentar, a começar pelos terminais de computador que passam a vida a ir abaixo por causa do calor e da humidade. Em alguns locais, o registo esteve mesmo parado durante alguns dias, porque as máquinas não funcionavam.

Outra situação frequente tem a ver com a idade da pessoa que se vai registar, desconhecida em muitos casos. Frangelino Lekehono Soares, por exemplo, habitante de uma aldeia longínqua na região de Laclubar, sabe que tem 29 anos mas ignora a idade dos seus quatro filhos. Mas, segundo um funcionário internacional da UNTAET no leste do país, os registos revelam outros dados curiosos: «Não há mães solteiras nem divorciados em Timor-Leste, mesmo que os casais estejam separados.» Para não falar no caos dos nomes atribuídos às crianças. Um exemplo: o pai chama-se Luís Martins Pires, a mãe, Natalina de Jesus Guterres. O nome do filho é José Tilman Ximenes.

Comunicações alternativas

Neste processo de registo, não faltam as críticas habituais da liderança timorense à lentidão da UNTAET. Até Xanana Gusmão, que tantas vezes tem defendido o papel da ONU no território, acha que «se perdeu muito tempo até que se chegasse à conclusão de que o CNRT poderia ajudar a registar e a esclarecer as pessoas».

Gary Echerer continua espantado com a velocidade com que a informação corre em Timor. «Se quero que uma mensagem chegue a um local que fica a oito horas, a pé, de distância, e que não tem telefones nem rádio, tenho a resposta no mesmo dia. Não sei como funciona, mas resulta.» O atraso no envolvimento dos chefes de suco (freguesia) e dos liurais (autoridades tradicionais), que, por sua vez, poderiam esclarecer a população, também merece reparos da liderança timorense: «A ONU não utiliza os canais de informação que estão ao seu alcance. No tempo dos portugueses, bastava afixar um papel nos bazares (mercados) para passar palavra», recorda Mário Carrascalão. A rádio não chega a todo o território, a televisão não tem programação própria para Timor (só exibe programas da RTPi, BBC e de um canal indonésio) e os jornais praticamente só são lidos em Díli por uma minoria letrada que compreende o bahasa.

Os partidos políticos também se queixam que não lhes dão condições para levar os seus programas à população. Há 25 anos, a administração portuguesa subsidiou a UDT e a Fretilin para que estes movimentos fizessem as suas campanhas. Leandro Isac recorda-se bem dessa iniciativa e veria com bons olhos que a ONU fizesse o mesmo: «Se eu quiser levar o meu programa a Lospalos, na ponta leste, como é que vou? A pé? Esquecem-se que não temos dinheiro?», questiona o actual vice-presidente do Partido Social Democrata, de Mário Carrascalão. «Lutámos pela independência, liberdade e democracia, que são condições do Banco Mundial e do FMI para ajudar o país. Mas não há uma única iniciativa para desenvolver estes objectivos. É o que eu chamo morrer de sede numa lagoa», adianta.

Os 25 anos que não existiram

Como se a confusão entre a população e os partidos não fosse já suficiente, vai ganhando visibilidade o movimento CPD-RDTL (Comissão Popular de Defesa da República Democrática de Timor-Leste), que pretende arrepiar caminho e ter a independência de imediato, a mesma que foi autoproclamada em 28 de Novembro de 1975 por Xavier do Amaral, agora com 67 anos.

No dia 25 de Abril em Díli, a tensão política aumenta na proporção da temperatura. Há uma semana que cerca de duas mil pessoas estão concentradas à porta da residência do «Presidente», na marginal de Díli. A maioria enfrentara um dia inteiro de viagem nas caixas abertas dos camiões. Vêm vestidos com trajes tradicionais e assumem uma postura bélica, com as suas facas e catanas. Os grupos de distrito marcham, à vez, em redor da bandeira da independência e saúdam Xavier do Amaral, que está sentado, em pose de estadista, à sombra do alpendre da sua casa. Do outro lado da avenida, a multidão levanta pó com as suas danças, numa festa que dura há sete dias, bem regada com tuaca (vinho de fruto de palmeira). Dali, partem todos para uma manifestação no palácio do governador, actual sede da ONU em Timor.

Na ausência do chefe da UNTAET, o brasileiro Sérgio Vieira de Mello, é Christien Cady, o número dois da administração, que recebe Xavier do Amaral. As exigências não são pequenas: reconhecimento imediato da independência de 1975, bem como da Constituição aprovada nesse ano, da bandeira (praticamente igual à da Fretilin) e hino nacional e das forças armadas (Falintil), dos «líderes reais do povo», Xavier do Amaral e Rogério Lobato, a eliminação do CNRT e do Conselho Nacional. Os organizadores reclamam ter a assinatura de 20 mil apoiantes, embora na praça esteja um número dez vezes menor.

São suficientes entretanto para atear o alerta vermelho das autoridades: à porta do palácio, há apenas um curto cordão policial; mas, no interior, a Unidade de Intervenção Rápida da GNR está pronta para o que der e vier. O seu comandante, major Rodrigues, dirá mais tarde à VISÃO que chegou a temer o recurso à força, sobretudo no momento em que Xavier do Amaral saiu do edifício, obviamente sem as suas exigências satisfeitas, voltando a pedir respostas imediatas a Cady. Nessa altura, percebeu-se que quem mandava ali era a pequena multidão e não o seu líder, afinal um mero porta-voz de quem queria sair dali com a independência no bolso.

Porém, como tudo o que se anuncia em Timor não acontece, a manifestação dispersou espontaneamente e cada um regressou ao seu distrito com a promessa de um dia voltar. Na praça, ficou apenas um chão vermelho. Parecia sangue, mas não era mais do que o cuspo vermelho da bua, uma mistura de fruto de palmeira com cal que os habitantes do interior mascam até queimar as gengivas.

A revolta dos Macacos Mágicos

Ainda que os seus líderes o desmintam, membros do CPD- RDTL estiveram envolvidos nas cenas de violência mais extrema que aconteceram no território desde o referendo. Em Baucau, uma discussão entre um bêbado e o condutor de um autocarro acabou com o incêndio da mesquita da cidade, a destruição do carro do administrador (que conseguiu fugir sem ser atacado) e o cerco à unidade da polícia jordana. No mesmo dia, 7 de Março, a vida de Xanana Gusmão terá sido ameaçada durante um fórum político no Ginásio de Díli. Três pessoas do CPD-RDTL foram presas. Aliás, a sua libertação incondicional foi outra exigência que Xavier do Amaral levou a Christien Cady. Tal como as outras, não foi satisfeita.

Em Viqueque, no sudeste do território, uma rivalidade entre dois grupos de jovens levou à morte de duas pessoas e ao incêndio de 40 residências. Nem as milícias e os indonésios provocaram tantos estragos naquela cidade. A história está relacionada com a proliferação de grupos de jovens praticantes de artes marciais (uma herança indonésia) e precipita-se a partir do momento em que um dos 90 membros dos Persandaran Setia Hati Terate (Nenúfar à Tona da Água) foi ameaçado pelos rivais Kera Sakti (Macacos Mágicos). A provocação foi crescendo até haver uma linha de fronteira, em que dezenas de membros estavam prontos a atacar, mal o seu espaço fosse violado. «A polícia e os militares não fizeram nada, até me disseram que as armas eram para sua auto-defesa e que só reagiam quando houvesse mortos», recorda o padre Adelino, pároco de Viqueque, testemunha dos acontecimentos e que só não foi morto porque conseguiu vestir a batina a tempo.

Durante a noite, elementos dos Nenúfares de Baucau foram reforçar os seus companheiros de Viqueque. Quando chegaram, mataram um rapaz que nem era Macaco Mágico. Para aumentar a tensão, o jovem era da etnia maksay e foi abatido à catanada por tetun-teriks. A vingança acabaria por ser ordenada pelo liurai da aldeia da vítima e seria comandada por um tal Guido. Um bairro inteiro de Viqueque foi arrasado e mais um homem, que recusou sair para o mato como fez toda a população, foi morto - esquartejado na sua própria casa.

Embora não pareça, todos estes incidentes «tiveram motivação política», garante o comandante da polícia de Timor, Costa e Sousa. «Não estou a ver reacções espontâneas de pessoas equipadas com rádios portáteis a receber ordens à distância, como aconteceu em Baucau e Viqueque.» Ramos-Horta vai mais longe e acusa a CPD-RDTL de ser «a quinta coluna da linha dura indonésia».

Pacto de não agressão

A UNTAET acaba por ter dificuldades de lidar com a RDTL porque o movimento não é um partido político, embora seja apoiado pelo PNT (Partido Nacionalista de Timor, de Abílio Araújo) e pela ASDT (Associação Social Democrata de Timor, criada em 1974, embrionária da Fretilin, e agora recuperada por Xaviar do Amaral).

A Fretilin «oficial» queixa-se de que todos estes movimentos usam abusivamente os seus símbolos e querem lançar confusão na cabeça das pessoas do povo. «Uma das razões para termos abandonado o CNRT, foi essa - a possibilidade de voltar a usar a nossa bandeira», declara Mari Alkatiri, que garante ter 200 mil militantes inscritos na Fretilin, que é como quem diz já ganhei. Este discurso está, aliás, a ser criticado pelos restantes políticos timorenses.

Claro que Alkatiri não pode garantir vitória nenhuma antes das eleições, mas a sua promessa de que os apoiantes do seu partido não vão cometer desacatos será levada em conta pelas autoridades. Um outro militante da Fretilin diz até que, se a cadeia de comando do partido não funcionasse, «Xavier do Amaral já estava pendurado pelos pés, como alguns queriam fazer».

Para que ninguém fique pendurado pelos pés, Xanana Gusmão pretende propor um «pacto de não agressão», a ser assinado pelos partidos concorrentes à Assembleia Constituinte, uma medida preventiva para que os timorenses não caiam na tentação tradicional de confundir debate político com ofensas pessoais e pancadaria.

A opinião generalizada do pessoal internacional ouvido pela VISÃO é de que vai haver violência no processo eleitoral, só não se sabendo quando nem em que escala. Ramos-Horta acha, por seu lado, que a tensão vai subir até 30 de Agosto. «Mas acredito que seja possível evitar a violência interpartidária.» Os líderes políticos timorenses estão aliás confiantes de que toda a gente tirou as lições do passado e que está na hora do país ter paz, apesar de a prática dos seus militantes não confirmar este desejo.

Muitos soldados, poucos polícias

Para controlar os ânimos mais excitados durante o período eleitoral, existem 1 451 polícias no território, menos 200 do que o programado. O comandante deste contingente, Costa e Sousa, acha-o «curto» - uma média de um polícia por 800 habitantes, quando, no tempo indonésio, ela era de um por 200. Neste momento, estão a ser formados três mil agentes timorenses, que, dentro de um ano, assumirão o controlo total da segurança no território.

Dada a escassez de efectivos nas ruas, os nove mil soldados distribuídos pelas províncias acabam por fazer, também eles, trabalho policial, como aconteceu há pouco tempo com elementos do batalhão português, em Alas, chamados para pôr fim a uma guerra entre aldeias por causa do regresso de um ex-elemento das milícias.

Do ponto de vista militar, a ameaça à segurança de Timor é considerada «baixa» em todo o lado, excepto na região de fronteira, controlada por efectivos australianos e neozelandeses. Em 29 de Maio, cinco pessoas morreram e 40 ficaram feridas em consequência de um ataque com granadas e metralhadoras a um mercado ilegal, junto à localidade fronteiriça de Balibó. As autoridades da ONU decidiram isolar a área até que os motivos do ataque sejam esclarecidos.

Até então, o número de incidentes na fronteira era curto. Fontes da força de paz consideravam mesmo excessivo o número de militares em Timor e estranhavam a coincidência de os confrontos surgirem sempre que se noticiava a redução do contingente australiano (o maior, com 1 600 elementos). «Tenho dúvidas de que alguns desses confrontos tenham mesmo acontecido. Onde estão os mortos, os feridos e os prisioneiros?» Até o brigadeiro general das futuras forças armadas timorenses, Taur Matan Ruak, não via ameaças que justificassem nove mil soldados em Timor.

No entanto, todos sabem que a estabilidade no território depende em larga medida do que se passa do outro lado da fronteira, na Indonésia. O presidente «Gus Dur» Wahid enfrenta uma provável destituição e ninguém consegue prever o que vai acontecer no colossal arquipélago. Teme-se, por exemplo, que o processo democrático seja travado e o regresso da influência da linha dura militar nos círculos políticos de Jacarta. «O processo em Timor correrá bem dependendo do que a Indonésia pode fazer para miná-lo», resume Mari Alkatiri.

No lado ocidental da ilha está ainda um número indeterminado de refugiados. A UNTAET insiste que há mais de cem mil nos campos de Atambua e de Kupang, apesar de a liderança timorense acreditar que sejam agora bastante menos. Leandro Isac não compreende «como foi possível os TNI (militares indonésios) levarem 200 mil pessoas em três semanas apenas e a ONU continuar a dizer, ao fim de um ano e meio, que metade está ainda do outro lado». O Alto Comissariado da ONU para os Refugiados, garante Felicidade Guterres, uma timorense de 39 anos, que é coordenadora de programas do Banco Mundial, «recebe uma fortuna e todos os dias regressam pessoas a Timor-Leste. Como é possível que sejam ainda cem mil?». A mesma fonte conta que muitos deles «vêm com arroz e materiais de construção para vender em Díli e, a seguir, regressam à sua condição de refugiados. A UNTAET acaba por gastar mais dinheiro com eles do que com os timorenses que estão aqui», acusa.

Do lado leste, mantém-se a tensão. Em Quelicai, distrito de Baucau, a violência voltou a andar à solta, em 20 de Maio, após uma rixa ente dois grupos de jovens. Resultado: 20 casas destruídas e três feridos. Os confrontos duraram o fim-de-semana inteiro e envolveram aldeias vizinhas. A possibilidade de haver mão política que tenha entrado em determinado momento do crescendo de violência nunca pode ser descurada. E a facilidade com que incidentes menores evoluem para autênticas batalhas relançam sempre a dúvida sobre a paz num futuro próximo em Timor.

 
 
 
Artigos Relacionados
Entrevista a Xanana Gusmão  Eleições são o virar da página
Reportagem  A riqueza que vem do mar
As Falintil  Corte de cabelo



Assine a VISÃO   |    TurboOnline.pt   |    Publicidade   |    ACJ.pt
Copyright 2001 A|CJ