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Teoria do cAOs, efeito borboleta e efeito dominó

Chaos theory states that within the apparent randomness of chaotic complex systems, there are underlying patterns, interconnectedness, constant feedback loops, repetition, self-similarity, fractals, and self-organization.

In 1972, Philip Merilees concocted ‘Does the flap of a butterfly’s wings in Brazil set off a tornado in Texas?’

A domino effect or chain reaction is the cumulative effect produced when one event sets off a chain of similar events. [Wikipedia]

Este artigo de Ana Cristina Leonardo sobre as eleições, contendo uma grande carga de bom-senso (e uma pequena de ingenuidade), é um exemplo quase perfeito do efeito dominó que finalmente começa a fazer cair, uma após outra, as peças do jogo acordista.

Vendo o fenómeno por um prisma equivalente mas ainda mais ilustrativo, de novo se constata sobre o AO90 (e suas adjacências esconsas, negócios escuros, brutais mentiras) pairam as asas da borboleta que agitando-se algures acabarão fatalmente por fazer desabar as lisboetas barracas de São Bento, Belém e Necessidades.

É de facto gratificante constatar que vão desaparecendo os pruridos na adjectivação e na compreensão dos pressupostos do processo. Os bois que tentaram vender a Língua Portuguesa a troco de um prato de lentilhas começam a ser chamados pelos nomes. Porque as pessoas já perceberam que afinal foram por canalhas tomadas por imbecis.

Ainda não chegámos a vias de facto, é certo, mas os factos são tantos — e qual deles o mais evidente — que em breve lá chegaremos.

O mais recente artigo de AC Leonardo sobre o assunto é outra pequena amostra da reacção em cadeia. Sobre a qual, aliás, haverá alguns considerandos a tecer e não menos imprecisões a esclarecer… provindo duas delas de citações contidas no texto.

Por exemplo, quando cita a expressão «legitimação do AO» poderia a autora talvez ter atalhado de imediato que jamais existiu qualquer de espécie de “legitimação” do AO90, até porque uma coisa e a outra são conceitos que mutuamente se excluem. O que sucedeu foi uma espécie de discussão beneditina (ou peregrina) em 1991, mera formalidade destinada a fazer passar uma ilegalidade absurda, e mais tarde, em 2008, foi montado na mesma tenda de circo um espectáculo com palhaços e malabaristas fazendo seus números.

O AO90 nunca foi “legitimado”. Uma votação parlamentar sujeita a disciplina partidária não legitima uma questão de interesse nacional, sem a menor ligação com sectarismos. Ora, os deputados aprovaram a RAR 35/2008 exactamente como se estivessem a decidir mandar construir (ou não) um bairro social na Quinta da Marinha. É para isso que lá estão, fazem aquilo que os patrões mandarem os “seus” deputados fazer: levantar-se ou ficar sentados.

Outra referência citada que bateu “ao lado”, e ainda que Franchetti, com louvável prudência, tenha acrescentado “creio que” à formulação: «No Brasil, creio que sobretudo interessa às grandes editoras que publicam dicionários e livros de referência, bem como didácticos.»

Olhe que não, olhe que não. Miudezas. Na impagável expressão norte-americana, isso é “peanuts”. Ou, no não menos pitoresco “futebolês”, o que as editoras ganham à conta da cacografia brasileira é “pinotes”. Trocos, portanto. Claro que nos casos — que até já sucederam — de fusões entre grandes editoras portuguesas e brasileiras (são grandes mas não são grande coisa), bem, aí até pode ser que alguns empochem umas lecas, mas isso não é nada se comparado com os negócios fabulosos — indústrias, movimentação de capitais, especulação, exploração de matérias-primas e de mão-de-obra — que na verdade e de facto estiveram desde sempre por detrás de toda a trama, a gigantesca e fraudulenta maquinação urdida a pretexto da “língua universáu” e sob o disfarce político-diplomático a que chamaram CPLP.

Por fim, ainda uma terceira referência ao arrazoado no artigo reproduzido, desta vez uma opinião da própria autora: «interpretar o sim ao Acordo como sinal de ignorância da larga maioria dos políticos em exercício».

Bom, além das razões já aduzidas será então de contrapor uma outra opinião.

Que os políticos em geral e os deputados em particular são de uma ignorância confrangedora, pois claro, ele há verdades como punhos, sendo a parlamentar bovinidade uma das mais evidentes, mas no caso vertente o que se passou foi — como se não bastassem as gerais dificuldades na leitura e as inerentes deficiências no raciocínio — que a esmagadora votação não passou de tremenda fantochada, a função circense já referida, com o acréscimo venenoso de um truque nojento: aos deputados foi transmitida a vaga ideia (um hábito da casa) de que iriam votar, segundo as ordens dos respectivos líderes, a adesão de Timor-Leste à CPLP. Se era a isto que se referia a filósofa, ah, pois então com certeza, está carregadinha de razão, o “sim ao acordo” sucedeu precisamente por causa da “confusão” («ouve lá, sabes em que é estamos a votar? Timor na CPLP? Ah, óptimo, então não fiz confusão, eu cá levantei-me porque me mandaram mas não sabia para que raio era aquilo»).

E pronto. Foram só umas notas soltas, nada de remoques. Como poderia, com que direito, de mais a mais perante mais esta demonstração de que a teoria do cAOs já não é uma mera teoria académica. É a realidade começando a ser bem entendida.

Mentes simplex

Ana Cristina Leonardo
“Público”, 28 de Janeiro de 2022

Num dos seus momentos menos enigmáticos, escreveu Maria Gabriela Llansol: “O começo de um livro é precioso”. Se pusermos de lado todo o resto do texto de Llansol que se inicia com a frase citada — à maneira do Rousseau do Discurso Sobre a Origem e os Fundamentos da Desigualdade Entre os Homens: “Comecemos então por afastar todos os factos, porque eles nada interessam para a questão” —, o mesmo se poderá aplicar a uma crónica.

Não podendo a crónica fugir demasiado à realidade, melhor dizendo, à “espuma dos dias”, sente-se o cronista assoberbado, ou mesmo atarantado, quando a espuma se adensa e se agiganta, qual glaciar à deriva nos mares gelados dos desertos brancos.

Naturalmente, há dois temas eternos a que pode sempre recorrer-se: a essa desgraça maior chamada Acordo Ortográfico e à beleza das amendoeiras em flor.

Sobre amendoeiras, cujos lençóis de flores foram capazes de apaziguar as saudades da neve de Gilda, a princesa nórdica que viveu em tempos que já lá vão no Al Gharb andaluz (não confundir com o Allgarve de Manuel de Pinho, o ex-ministro que mandou demolir a última morada de Almeida Garrett…), pouco haverá a acrescentar a não ser talvez que as árvores de flores brancas dão amêndoas doces e as árvores de flores rosa são amêndoas amargas.

Já sobre o Acordo Ortográfico, será curioso registar a posição dos principais partidos concorrentes às eleições de Domingo. Lembrando que a legitimação do AO passou pelo assentimento de todas as bancadas da Assembleia da República, com excepção do PCP, do PEV e de três deputados do CDS que se abstiveram (apenas votaram contra Manuel Alegre (PS), Nuno Melo e António Carlos Monteiro (CDS) e do ex-PCP, Luísa Mesquita), quase catorze anos passados sobre a aprovação da degola das consoantes mudas (e outras que foram, entretanto, emudecendo) e perante os resultados poucos famosos que tal revisão acabaria por trazer — tanto do ponto de vista da unificação, argumento maior dos acordistas, como no da ortografia tout court, com os erros a engrossarem à conta da “pronúncia culta” que passou, basicamente, a confundir-se com “a ortografia que soasse melhor”: veja-se o exemplo de espectador que passou a ‘espetador‘, novamente a espectador, havendo quem entretanto, e não são poucos, já escreva espétador… —, quem o votou acabou a lavar as mãos, como Pilatos.

Com o caos instalado, conclui-se que a maioria (PAN, IL, CDS, PSD…) diz querer avaliar o Acordo. Não deveria ser antes avaliarem-se?

À esquerda, António Costa, oracular, afirma que o AO “deve fazer o seu caminho”. Catarina Martins afirma que o “Acordo prevê, ele próprio, que haja estudos e revisões ao longo do tempo, e, portanto, se algum de nós estiver a dizer que não quer essa revisão, está a dizer que não quer o próprio Acordo”, raciocínio algo bizantino que, além de assentar numa falsidade (nada no Acordo prevê aquilo de que a deputada fala), denuncia alguma ignorância sobre o funcionamento da língua: afinal a ortografia não é como o PIB que, habitualmente, muda todos os anos. Rui Tavares afirma que o que importa é a coerência, sendo por isso muito importante o Acordo, melhorado ou não, enquanto contributo para a promoção da língua portuguesa lá fora (este desígnio promocional assente na uniformização, como toda a gente sabe, também tirou em tempos o sono aos ingleses e espanhóis: os primeiros conseguiram que shit se tornasse universal nos territórios de Sua Majestade; já os segundos tentaram, sem sucesso, impor a interjeição coño à totalidade do mundo hispânico).

Perante o estado do mundo em geral e a solenidade do nosso acto eleitoral em particular, a quem é que poderá interessar o assunto Acordo Ortográfico?
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Redundância, hipérbole, alegoria, eufemismo e outras figuras de estilo

O “acordo ortográfico” de 1990, não sendo nem acordo nem ortográfico, de facto e materialmente significa a “adoção” integral da cacografia brasileira e implica a erradicação definitiva do Português-padrão. Trata-se, por conseguinte e por exclusão de partes, de uma manobra política, a curto prazo, e de engenharia social, a médio prazo, com (mais do que) evidentes intuitos de expansão geopolítica e, portanto, financeira, encapsulando uma forma subtil de neo-colonialismo numa espécie de supositório mental com a designação comercial de “CPLP”.
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Volta ao AO90 por etapas – 1 a 4″]

 

Peço imensa desculpa pela indecente auto-citação mas, parece-me, a diatribe encaixa como uma luva neste texto de Ana Cristina Leonardo, em especial se atendermos ao conteúdo do primeiro parágrafo, que introduz o tema com uma “perigosa” analogia apenas aparentemente desgarrada e casual, como se o “acidente” individual que refere no início não tivesse nada a ver com o desastre colectivo em que estamos todos — quer queiramos, quer não — afogados. E como remate do artigo a autora utiliza novamente a “táctica”: falar de outra coisa, de algo completamente diferente mas que afinal é… a mesma coisa, uma analogia sob a aparência de auxese. Tiro-lhe, por conseguinte, o meu chapéu, desbarretando-me perante a elegância e a subtileza de uma e, da outra, a alegria da alegoria.

Algumas notas, não abusando, sempre evitando cair na rapsódia do costume, ou seja, discutir questões técnicas ortográficas quanto a um assunto que de ortografia nada tem.

A expressão «valor diacrítico das consoantes não articuladas» é interessante, já que tal formulação denota uma óbvia conotação política: as consoantes não articuladas que refere (o que remete para a etimologia, um pesadelo para a empresa Malaca&Bechara, Lda.) existem no Português-padrão mas não no brasileiro; esta novilíngua socorre-se de uma escrita (isto é, várias, uma por Estado, outra em cada cidade, bairro ou prédio e ainda outra de pessoa para pessoa) que não passa de mera transcrição fonética dos inúmeros “falares” brasileiros; o AO90 tenta desesperadamente pôr alguma ordem naquela imensa cacografia e daí os seus alucinados autores usarem a ridícula expressão “pronúncia culta”; ou seja, cá está, “pronúncia”, logo, transcrição fonética (com o alfabeto comum, não com o fonético, é claro, que naquelas bandas a ignorância é pandémica) e portanto, por exclusão de partes, nada de ortografia. Em resumo: o AO90 brasileiro (passe a redundância) preconiza — numa primeira fase — que “o que não se lê não se escreve”, portanto o brasileiro fica exactamente como era (porque já era isso mesmo) e todas as consoantes a abater (100%) afectam exclusivamente o Português sério e a sério. Numa segunda fase, os prestáveis acordistas portugueses distribuirão entre si os tachos para formar uma CTR (Comissão Técnica de Revisão) que reintroduzirá as consoantes que são “mudas” para nós mas que os brasileiros articulam; por exemplo, “rêcépição” voltará a ser “recepção” para os pândegos tugas; e, dado que no Brasil “corrupto” ou “corrupção” se pronuncia (logo escreve/transcreve) “corruto” ou “corrução”, então em Portugal (e PALOP) a CTR ordenará mais essa patacoada insuportável na “língua universáu“.

Não existe, por conseguinte, pegando-lhe apenas por esta ponta, qualquer espécie de “ortografia pós-Acordo”. Uma das finalidades do AO90, de resto, é abolir administrativamente o próprio conceito de Ortografia — eliminar a Língua Portuguesa substituindo-a pela transcrição fonética do falar dos brasileiros de “pronúncia culta” (Bechara e um primo dele).

Outra afirmação um pouco dúbia no texto: «a Resolução 26/91 que valida o Acordo Ortográfico». Não, não “valida” coisa nenhuma, perdoará a autora a truculência. Essa Resolução da Assembleia da República resultou de uma “Proposta de Resolução” do Governo, como determinam os trâmites previstos no “regulamento” do processo legislativo, não tendo produzido a mais remota das consequências. Prova disso é o facto de toda essa papelada (AO90, PdR, RAR) ter ficado a marinar numa qualquer gaveta durante… 17 anos!

Foi quando o “génio” Cavaco chamou o inefável Santana Lopes e o incumbiu de ir à gaveta buscar aquilo é que o processo de demolição da Língua Portuguesa teve realmente início. E foi, por fim, em 2008 (17 anos depois da RAR 26/91, repito) que a aprovação do II Protocolo Modificativo (via RAR 35/2008) pôs realmente em marcha o camartelo. Sem esta última golpada o AO90 jamais teria saído da abençoada gaveta de onde Santana a repescou e, portanto, a Resolução de 1991 valeria (ou validaria) tanto como um maço de notas do Monopólio.

Por fim, só mais esta: «ortografia pós-Acordo». Bom, ora vejamos. Como direi? Belo oximoro, realmente. Não desmerece.

Parabéns à prima!

Ana Cristina Leonardo
“Público” (suplemento “ípsilon”), 23.07.21

 

 

Em verdade vos digo, caros leitores, em Portugal é mais fácil um estúpido passar pelo buraco de uma agulha do que saber-se a velocidade a que segue o carro de um ministro. Tal mistério (ou segredo de Estado), naturalmente decifrável à luz da Relatividade einsteiniana, implicando, todavia, no caso, a compreensão de fenómenos abstrusos para o comum dos mortais — compreendidos os efectivos da GNR — tais como o efeito Doppler, a dilatação do tempo, a invariância da velocidade da luz e variação da massa, as transformações de Lorentz e o diabo a quatro — isto apesar de Jean Piaget ter concluído que, para crianças mais novas, quanto mais depressa andarmos, menos tempo passa — remete-nos para uma frase de Mark Twain, autor inesgotável no que respeita a frases de espírito: “Leitor, suponha que era um idiota. E suponha que era um membro do Congresso. Mas repito-me”.

Como não lhe dar razão quando olhamos para a Resolução 26/91 que valida o Acordo Ortográfico, o qual, desde então, só nos tem dado alegrias, a nós e aos habitantes da Guiné Equatorial?

Aprovada pela esmagadora maioria (cinco deputados ausentaram-se, PCP, PEV e três deputados do CDS-PP abstiveram-se e apenas votaram contra Manuel Alegre (PS), Nuno Melo e António Carlos Monteiro (CDS) e a deputada não inscrita (ex-PCP) Luísa Mesquita), perguntamo-nos, sem querer ofender ninguém em particular, mas não nos importando de ofender toda a gente em geral, quem, dos parlamentares “acordistas” , seria capaz de justificar o seu voto favorável a este articulado: “O c, com valor de oclusiva velar, das sequências interiores cc (segundo c com valor de sibilante), cç e ct, e o p das sequências interiores pc (c com valor de sibilante), pç e pt, ora se conservam, ora se eliminam”?

Escrevem-se coisas extraordinárias nessa Resolução!

“É indiscutível que a supressão deste tipo de consoantes [mudas] vem facilitar a aprendizagem da grafia das palavras em que elas ocorriam. De facto, como é que uma criança de 6-7 anos pode compreender que em palavras como concepção, excepção, recepção, a consoante não articulada é um p, ao passo que em vocábulos como correcção, direcção, objecção, tal consoante é um c? Só à custa de um enorme esforço de memorização que poderá ser vantajosamente canalizado para outras áreas da aprendizagem da língua”.
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A Avozinha e o Lobo Mau

«No grupo havia, porém, uma criança que não gostava de finais felizes. Retomou a narrativa e acrescentou que o Lobo tinha mastigado tão bem, mas tão bem a avó que esta, ao ser retirada “cá para fora”, estava (des)feita em bocadinhos. Mais “gore” era impossível! E enquanto eu buscava uma saída para aquele desfecho sangrento, Melanie antecipou-se. Era verdade que o Lobo Mau tinha mastigado a avozinha com os seus grandes dentes, mas o pai do Capuchinho Vermelho trazia no bolso uma fita-cola muito forte com a qual colou os bocadinhos da avó muito bem colados, tão bem colados que no fim nem se notava nada.»

Como sabe qualquer doutorado em tautologia, e há bastantes por aí, “truísmo” é algo que pela sua própria natureza se impõe naturalmente, não carecendo de explicações ou considerandos. É o caso daquilo que os seus inventores designam como “AO90” ou, ainda mais estupidamente, como “acordo ortográfico”. Sabendo nós que essa aparentemente inócua designação oculta uma realidade nojenta, uma mentira abjecta, torna-se-nos penoso — ou insuportável — despender tempo e feitio com o asqueroso desconchavo; por vezes, noblesse oblige (e para mal dos pecados), chega a ser necessário fingir que se dá algum crédito aos acordistas ou que se confere uma lasca de credibilidade às baboseiras que militantemente papagueiam. Pura ilusão, quando muito, é claro, se bem que por vezes a atávica imbecilidade dos brasileirófilos até dê jeito, é uma forma de os zurzir onde mais lhes dói, isto é, nos bolsos.

O AO90, repitamos e resumamos de novo o esquema, consiste no extermínio do Português-padrão substituindo-o pela língua brasileira e assim, usando o “acordo” como pretexto e cortina de fumo, promover os interesses geoestratégicos brasileiros nas vertentes económica e política; dito de forma mais incisiva, o AO90 é uma invenção que teoricamente pretende validar e conferir alguma credibilidade política à CPLP; esta sinistra  organização, criada por brasileiros segundo os seus interesses exclusivos, comporta a dupla finalidade de abrir uma espécie de “porta dos fundos” na Europa, usando o estatuto de estado-membro de Portugal na União Europeia, e de, em última análise, saquear as imensas riquezas de Angola e as dos restantes territórios que em determinado momento histórico foram colónias portuguesas. Tudo isto, é claro, entregue de mão-beijada ao “país-continente”, sem uma única contrapartida (que dispensamos, porque a Língua tem imenso valor mas não tem preço) e tendo, ainda por cima, todas as contas e despesas inerentes pagas à cabeça pelo extraordinariamente solícito Estado português e seus sabujos.

Nós sabemos que este é o statu quo do cambalacho, para qualquer adulto minimamente letrado a inacreditável golpada é de uma simplicidade assustadora; mesmo alguém que não disponha de todas as ferramentas mentais poderá intuir — ao menos — que “algo” se passa, que o “acordo” tresanda a roubalheira.

É muito fácil entender porque é tudo afinal muitíssimo mais evidente do que aquilo que prefeririam os envolvidos. Até uma criança entende tudo isto.

Ora bem, nem de propósito, talvez neste artigo de Ana Cristina Leonardo — mesmo não tendo sido essa a sua intenção, calculo — esteja uma possibilidade de explicar a fraude “ortográfica” aos mais pequenos, sem os traumatizar (porque o tema é de facto violento) com os pormenores mais escabrosos,

Através de simples alegorias, utilizando analogias básicas e metáforas elementares, o que é preciso é que se diga às crianças a verdade, toda a verdade e apenas a verdade sobre o tráfico da nossa Língua; que a CPLP serve exclusivamente os interesses do Brasil e de um bando de salteadores portugueses, uma espécie de “Irmãos Metralha” do lado português; que o AO90 não passa de uma capa muito parecida com a do Mancha Negra para entrar disfarçadamente na Europa e como disfarce de gatuno para assaltar os cofres de Angola e as riquezas naturais das nossas ex-colónias em África; que o golpe (AO90) foi obtido através de negócios secretos entre políticos, às escondidas, sem provas e quase sem deixar rasto.

É possível ainda, dentro da mesma lógica pedagógica, apontar como modelo de resistência a extraordinária personalidade da rapariguinha da história e, com a tenacidade da sua coragem e o exemplo da sua tenacidade, demonstrar que não somos poltrões, que as crianças são grandes heróis em tamanho pequeno, ninguém desiste nem desistirá jamais porque a nossa luta é justa e ninguém irá lutar em vez de nós.

Bem pode o Lobo Mau (o AO90) tentar matar e comer a nossa Avozinha (a Língua Portuguesa), desfazê-la em bocadinhos. A rapariguinha, apesar de criança, é mil vez mais persistente do que todos os animais ferozes e do que milhares de adultos.

Tão corajosa, tão resistente, tão determinada e coerente que vai já acumulando um arsenal com todos os rolos de fita-cola que há no mundo.

No fim, a Avozinha ressurgirá de novo inteira, íntegra, digna e solene. Nem se vai notar nada.

Portugal, “we have a problem”, (pelo menos)

 

 

«Diz a lei de Murphy que, se uma coisa tem hipóteses de correr mal, correrá mal de certeza e da pior maneira. Apesar de ser uma lei que faz as delícias dos pessimistas encartados, a sua formulação condicional — “SE…” — prova que Murphy era, na realidade, um optimista.

Um enunciado realmente negro da referida lei seria: dado que nada do que é humano exclui a hipótese de poder correr mal, então, tudo correrá pessimamente. Resumindo: aquele “SE” salva-nos do desastre total.

A razão por que se tem um olhar pessimista ou optimista sobre a realidade continua um mistério. Há quem lhe encontre explicação nas experiências de vida, mas basta que eu invoque um pequeno episódio (real) passado com crianças para que essa interpretação se prove coxa.

Numa colónia de férias à beira de um lago (o lago não conta para o caso, mas é um facto que havia um lago), ao final de tarde costumava sentar o grupo de crianças que me estava atribuído. As crianças tinham entre cinco e seis anos e o propósito da reunião consistia em que uma delas começasse a contar uma história a que depois outra daria continuidade e assim sucessivamente, como diria João César Monteiro.

Um dia, a cena desembocou numa versão livre do “Capuchinho Vermelho”. Uma das crianças (chamemos-lhe Melanie que era mesmo o seu nome) deu-a por terminada após, devorada a avó pelo Lobo Mau, ter aparecido o pai do Capuchinho Vermelho que conseguia tirar a coitada da barriga do “Canis lupus”. No grupo havia, porém, uma criança que não gostava de finais felizes. Retomou a narrativa e acrescentou que o Lobo tinha mastigado tão bem, mas tão bem a avó que esta, ao ser retirada “cá para fora”, estava (des)feita em bocadinhos. Mais “gore” era impossível! E enquanto eu buscava uma saída para aquele desfecho sangrento, Melanie antecipou-se. Era verdade que o Lobo Mau tinha mastigado a avozinha com os seus grandes dentes, mas o pai do Capuchinho Vermelho trazia no bolso uma fita-cola muito forte com a qual colou os bocadinhos da avó muito bem colados, tão bem colados que no fim nem se notava nada. E foi quando eu, evidentemente, me apressei a dar por terminada a hora do conto.

Às vezes penso no que será feito daquelas duas (então) crianças, esperançosa de que, pelo menos Melanie (a única de quem, curiosamente, fixei o nome), tenha continuado vida fora a guardar no bolso uma fita-cola das muito fortes.

Havendo, portanto, situações em que um olhar pessimista ou optimista permanece inexplicável (a criança da versão “gore” não vinha de uma família disfuncional ou sequer problemática…), outras há em que só um cego não vê que a coisa vai acabar em despautério. E sendo verdade que muitas dos provas de efectividade da lei de Murphy assentam numa falácia — por exemplo, aquela que diz que se andarmos à procura dos óculos, só havemos de encontrá-los no último sítio em que os procurarmos (claro que quando os encontramos, damos por finalizada a busca…) — , tratando-se do famigerado Acordo Ortográfico, Murphy só parece ter pecado por defeito.

Habituados que estamos já à enorme variedade de “fatos” do Diário da República, eis que no outro dia vimos, com estes que a terra há-de comer, o primeiro-ministro na televisão a apontar para um quadro explicativo das medidas de desconfinamento onde aparecia a palavra “contato”.

Aqui chegados, e plagiando Manuel Bandeira, há que reconhecê-lo: “contato” “é outra civilização”!

Dirão — como sempre fazem os defensores do AO, apesar de andarem muito calados — que a culpa de contato por contacto está na ignorância e não no Acordo em si. Sem entrar em celeumas sobre o “Ser-em-Si”, o “Ser-para-Si”, o “Ser-para-Outro” e etc. — razão tinha Jorge Luis Borges quando escreveu que “a metafísica é um ramo da literatura fantástica” — a pergunta absolutamente pragmática que se impõe é: quem, em Portugal e antes do AO, escrevia contacto sem C? E a mesma pergunta vale para os incontáveis “fatos” do Diário da República.

São dois exemplos singelos, mas que vêm dar razão a Murphy: se algo tem hipóteses de correr mal, correrá mal de certeza e da pior maneira.
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To P or not to P

Surdos dos olhos, cegos dos ouvidos

Nuno Pacheco
“ípsilon” (suplemento do jornal “Público”), 08.03.18

Chamaram ao livro O Nervo Ótico. Ou seja: a senhora vê com os olhos mas regista o que vê com um “nervo” auditivo.

A escritora argentina María Gaínza (nascida em Buenos Aires, em 1975) estreou-se na novela com uma obra a que deu o nome de El Nervio Óptico. O livro, lançado em 2014, não teve ainda edição no Brasil; mas, se a tivesse, chamar-se-ia O Nervo Óptico. Editado em Portugal, pela D. Quixote, puseram na capa a fotografia de uma sala de museu com uma senhora a olhar para uma parede com quadros e este título em letras garrafais: O Nervo Ótico. Ou seja: a senhora vê com os olhos mas, pelo título, regista o que vê com um “nervo” auditivo. Consulte-se o dicionário Priberam brasileiro, numa edição recente, e o que lá vem é isto: “ótico adj. 1. Relativo ou pertencente ao ouvido. 2. Diz-se do medicamento que se emprega contra doenças do ouvido.” Nenhuma dúvida. E com P? “óptico [ót] adj. 1. Relativo à óptica ou à visão. = OCULAR, VISUAL (…).” [Portugal] Grafia de ótico antes do Acordo Ortográfico de 1990.” Para os brasileiros parece não haver aqui dúvidas quanto à escrita ou quanto à fala. Repare-se que escrevem “óptico” e, à frente, indicam que se deve ler “ót”, “ótico”, não “ópt”, “óptico”. Ora, se bem se lembram, um dos mais fortes argumentos para banir as ditas “consoantes mudas” em Portugal era que não se liam; e “o que não se lê não se escreve.” Verdade? Mentira. O “óptico” brasileiro prova-o de forma categórica: não lêem o P mas escrevem-no. Porque entendem que não se pode ser surdo dos olhos e cego dos ouvidos.

Ou pode? Em Portugal pode. Com o acordo ortográfico (AO), a palavra é a mesma, ouvidos e olhos tudo misturado, numa lamentável miscelânea pós-cubista que nada deve à arte. “Óptico” ou “ótico”? Vai-se aos vocabulários oficiais do acordismo (os do IILP) e lá está: nos vocabulários nacionais de Portugal, Cabo Verde, Timor-Leste e Moçambique (até neste, que nem ratificou o AO), ao inserirmos a palavra “óptica” recebemos por resposta: “A forma óptica não se encontra atestada neste vocabulário”. Mas está no do Brasil; neste e no chamado “vocabulário comum”, que mistura tudo sem critério só para fingir que há unificação na escrita. Há alguma vantagem neste inominável disparate, que ainda por cima foi inventado aqui, para consumo interno e para imposição colonial a terceiros pelas áfricas e orientes? Nenhuma vantagem. Um exemplo: os ingleses pronunciam “no” e “know” da mesma exacta maneira, tal como “night” e “knight”, ou “right” e “wright”. Imaginam alguém a sugerir que tais palavras passem a ser escritas da mesma forma porque têm o mesmíssimo som? Não, loucos desses só existem por cá. O que se passa com “óptico” e “ótico”, ou “acto” e “ato” é similar: lêem-se da mesma maneira mas são palavras diferentes, com raízes diferentes e sentidos diferentes. Custa muito entender coisa tão simples?

Hoje é Dia da Mulher e provavelmente esta crónica devia falar de outras coisas. Mas já que o livro aqui citado (devido ao assassinato do seu título) foi escrito por uma mulher, juntemos-lhe textos recentes de duas escritoras, ambos a propósito. No Expresso de 3 de Março, numa crónica intitulada “Ninguém para o AO (lê-se à vontade do freguês)”, escreveu Ana Cristina Leonardo: “Continuamos a não conseguir distinguir ‘óptica’ (vista) de ‘ótica’ (audição), palavras que se tornaram homónimas em nome da uniformização da língua, mas só em Portugal, já que no Brasil a distinção se mantém e também em nome da uniformização da língua. Confused?” Não, que ideia, é tudo claro como água! No dia anterior, 2 de Março, já Alexandra Lucas Coelho escrevera, no Sapo24, um texto revoltado e notável, intitulado “Este país partido ao meio pela própria língua”. Um pequeno excerto: “Supostamente este acordo era para aproximar os países de língua portuguesa. Mas o que separa os países de língua portuguesa são muitas outras coisas, muitas delas de facto políticas, muitas delas de facto incómodas, muitas delas de facto sistematicamente ignoradas, ou menosprezadas, enquanto um acordo totalmente desnecessário, supostamente a bem da lusofonia, nos mói o juízo há 28 anos.”

Diz-se que água mole em pedra dura… O resto já sabem. Mas não há água, mole ou dura, que lave tais misérias e nos deixe definitivamente em paz. Só mesmo uma enorme vaga, temível como as da Nazaré, será capaz de arredar tanto disparate do nosso quotidiano, deixando a língua viver e respirar como lhe compete. Tardará muito? Talvez não.

Nuno Pacheco

[Transcrição integral. Os “links” a verde foram adicionados por mim. Imagem em baixo copiada de “Clube dos Livros“.]

 

«Dois tempos desortografados» [Nuno Pacheco, “Público”]

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Dois tempos desortografados

Nuno Pacheco

“Público”, 30.03.17

Regredimos, em pleno século XXI português, aos tempos em que a instabilidade ortográfica era vulgar

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Já aqui se falou disto várias vezes, mas como a praga não passa nem sequer se atenua, convém falar outra vez. Peguemos numa revista, entre muitas. Numa página, em título destacado, lemos a palavra “atualidades”, num texto “atuais”, lendo-se noutras páginas e em diferentes textos, “actual” e “actuais”. Lê-se também, num apontamento literário, a palavra “correta”, isto apesar de noutras páginas da revista, e em textos distintos, surgirem as palavras “correcta” e “correctamente”. Que revista pensam que é? A Atual do Expresso? Podia ser. Essa ou qualquer outra dos nossos dias. Mas é a Revista Portugueza ABC de 6 de Junho de 1929, vendida por uns módicos 1$50 e, claro, visada pela Comissão de Censura. Nela havia ainda palavras como “auctores”, “azes de cinêma”, “hespanhol”, “anciosa”, “scêna”, “sciência” e uma secção dedicada a “todos os sports” (onde se falava, claro, de “football”). Tinham passado dezoito anos sobre a reforma ortográfica de 1911 e faltavam outros tantos para a de 1945. A instabilidade ortográfica era vulgar nessa altura, não só na ABC, mas noutras revistas da mesma época. Pois em pleno século XXI português regredimos a esses tempos. Uns dirão que isso se deve à não-aplicação integral do acordo ortográfico de 1990; outros, que é precisamente a tentativa de aplicá-lo, na irrazoabilidade das suas regras, que gera o caos. E estes últimos têm comprovada razão. Basta ver o que se passa com o Diário da República, que devia ser modelar nesse zelo aplicativo, para levar as mãos à cabeça em desalento absoluto. De resto, um passeio por lugares públicos é também instrutivo a este respeito. As legendas de obras expostas em museus são uma delícia de ortografias mistas. Na exposição de Amadeo de Souza-Cardoso que esteve no Museu do Chiado, em duas paredes vizinhas e logo nos títulos de textos ali estampados, falava-se, à esquerda, da “recepção” que Amadeo tivera em Lisboa e, à direita, na “receção” que teve, à época, no Porto. Um primor. No CCB, também em cartazes enormes, lê-se que ali pode ser vista a “colecção Berardo” e, mais adiante, a “coleção Berardo”. Outro primor.

Pior, muito pior, é a sanha implacável dos que não olham a meios para aplicar o dito “acordo” a tudo o que mexa. Exemplo: um livro como Cartas e Intervenções Políticas no Exílio, de Mário Soares (edição Temas & Debates, Círculo de Leitores) está inexplicavelmente “traduzido” para acordês, isto quando qualquer carta deveria manter ao ser editada a ortografia com que foi escrita. Outro exemplo: na mais recente crónica de Ana Cristina Leonardo na revista do Expresso (a da edição de 25 de Março) ela cita António Guerreiro a propósito de Rentes de Carvalho. A frase citada (de um artigo que ele escreveu no Ípsilon em 6 de Maio de 2016) refere, a dada altura, “a tendência conservadora, regressiva e inócua de grande parte da actual ficção narrativa”. Isto foi o que ele escreveu. Na transcrição aparece “atual” em vez de “actual”. Ora sabendo que a autora, tal como o citado, não são partidários do chamado AO90, a emenda é da responsabilidade do próprio Expresso. Desrespeito absoluto. Que é norma instituída. Há editoras que forçam os autores, até os vencerem pelo cansaço, a aceitarem uma ortografia que não usam e rejeitam. E há quem fique com livros por publicar por causa disso. Até ilustres membros da Academia das Ciências de Lisboa!

Contra este estado de coisas, já muito se tem feito. Mas não chega, como é bom repetir. Entre as acções anti-acordo, está em curso uma deveras curiosa: conseguir estampá-lo em papel higiénico. Em rigor não é escatologia. Há papel higiénico estampado com quase tudo, desde coisas simpáticas até coisas repugnantes: rosas, pinguins, flamingos, sapos, pais natais, noivos sorridentes, hello kittys, jacarés, arame farpado, palavras cruzadas, grelhas de sudoku, notas de dólar e de euro, caras de políticos (Che, Fidel, Estaline, Putin, etc) ou presidentes norte-americanos como George W. Bush, Barack Obama e até já Donald Trump. A que visa o AO90 chama-se Operação Folha Dupla e está em curso. Haverá para a ortografia uma “saída airosa, para bem de todos”, como em 2106 profetizou Artur Anselmo, presidente da Academia das Ciências de Lisboa? Pois se não for airosa, ao menos que seja higiénica. Útil para muitos, talvez alguns até a emoldurem.

Nuno Pacheco

[Artigo da autoria de Nuno Pacheco, “Público”, 30.03.17. Imagem de topo copiada do “blog” Malomil. “Links” meus.]